A rigor, o conhecimento
filosófico provoca uma inquietação que serve como via para a autodeterminação. Portanto,
como um exame crítico do fundamento das nossas convicções, crenças e
preconceitos. Por conseguinte, é este tipo de ‘pedagogia filosófica’, que viabiliza
a formação de sujeitos independentes, com atitude interrogativa e
investigativa. Poderíamos dizer, de forma genérica, que este é o contributo da
filosofia para a formação de cidadãos críticos, capazes de contribuir
efetivamente com a sociedade a fim de enfrentar os desafios práticos do cotidiano.
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Le Penseur- Rodin |
Quem não tem umas tintas de filosofia é
homem que caminha pela vida fora sempre agrilhoado a preconceitos que se
derivam do senso-comum, das crenças habituais do seu tempo e do seu país, das
convicções que cresceram no seu espírito sem a cooperação ou o consentimento de
uma razão deliberada. O mundo tende, para tal homem, a tornar-se finito,
definido, óbvio; para ele, os objectos habituais não erguem problemas, e as
possibilidades infamiliares são desdenhosamente rejeitadas. Quando começamos a
filosofar, pelo contrário, imediatamente caímos na conta de que até os objectos
mais ordinários conduzem o espírito a certas perguntas a que
incompletissimamente se dá resposta. A filosofia, se bem que incapaz de nos
dizer ao certo qual venha a ser a verdadeira resposta às variadas dúvidas que
ela própria evoca, sugere numerosas possibilidades que nos conferem amplidão
aos pensamentos, descativando-nos da tirania do hábito. Embora diminua, por
consequência, o nosso sentimento de certeza no que diz respeito ao que as
coisas são, aumenta muitíssimo o conhecimento a respeito do que as coisas podem
ser; varre o dogmatismo, um tudo-nada arrogante, dos que nunca chegaram a
empreender viagens nas regiões da dúvida libertadora; e vivifica o sentimento
de admiração, porque mostra as coisas que nos são costumadas num determinado
aspecto que o não é.
RUSSELL, B. Os problemas da filosofia. Tradução
António Sérgio. Coimbra: Almedina, 2001. p. 148.