“A Idade Madura”,
de Camille Claudel, é uma escultura marcada pela imagem de uma mulher que
suplica, de joelhos, nua, que o amado fique com ela. O homem representa Rodin,
que é afastado pelos braços de outra mulher. Uma escultura autobiográfica, que
escancara os tormentos que a artista padecia. Uma história que dilacerou sua
vida, levando-a a perder o controle, transformando uma mulher talentosa num
fantasma de si. Essa imagem foi marcante enquanto lia esse livro. No lugar de
Claudel, Antonio Dorigo. Um homem alucinado, desgraçadamente apaixonado. Alguém
que implora, que se sujeita e que aceita situações ultrajantes. Tudo isso em nome
de algo que ele chama de amor.
O
livro nos faz refletir sobre muitas coisas, e é preciso não ter testemunhado
situações similares (ainda que apenas sutil), para considerarmos essas pessoas,
que parecem acometidas de grave doença, como meramente estúpidas. A paixão pode
ter um efeito desorientador. Em alguns casos, devasta a pessoa apaixonada. Algo
representado em várias mitologias e, para infortúnio de quem ama, em grande medida,
comum.
Segundo
Platão, só amamos o que desejamos e só desejamos aquilo que nos falta. Em
outras palavras, a falta desperta o desejo... e, segundo o filósofo, amamos o
que nos interessa, o que desejamos. E por causa da falta, idealizamos aquilo
que não temos. Em resumo, a isto chamamos de amor platônico.
Talvez
essa seja uma forma de entender o amor que Antonio Dorigo sente por Laide,
jovem prostituta que despertou nele muita paixão. A grandiosidade do livro é
acompanhar como isso acontece. Além disso, também devemos levar em consideração
a capacidade imaginativa que Dorigo tem. Os conflitos internos são grandiosos.
Um exemplo de quem experimenta a tormenta da paixão e se questiona. Como disse
o apaixonado: “O amor é uma doença,
horrível”. Neste caso, muitos filósofos do período helenístico iriam
concordar. Inclusive a palavra paixão vem de pathos (doença, sofrimento) donde deriva patologia. Incontestável
que esse olhar filosófico é apenas um, entre tantos. De todo modo, parece uma
forma de entendermos Antonio Dorigo, homem maduro, com complexo de inferioridade,
que não consegue se relacionar bem com as mulheres - o que o faz capitalizar as
relações, evitando os desgastes e possíveis rejeições.
Dino Buzzati consegue nos apresentar, através de uma estória de amor frustrado, circunstâncias árduas, em que solidão, ansiedade, obsessão, são alguns dos dilemas enfrentados pelo protagonista. Isso tudo atravessado por reflexões existenciais. Num intenso fluxo de pensamentos e numa linguagem cheia de teor poético. Além disso, um livro intrigante, uma estória cheia de histórias. Em algumas partes, serve como uma espécie de espelho. Até que ponto é possível suportar situações inaceitáveis em nome de um interesse dominado pela paixão? Dorigo aceita muita coisa... Contudo, o livro não é maniqueísta. Há espaço para questionarmos as nuances do comportamento do apaixonado. Neste sentido, Jung dizia que existe em nós algo que não aceitamos, que não reconhecemos, que tentamos esquecer. A isso, ele chamou de “Sombra”. Se não enxergamos a nossa própria sombra, tendemos a nos perceber pessoas melhores e mais coerentes do que de fato somos.