"Não sou nada.
Nunca serei nada.
Não posso querer ser nada.
À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do
mundo".
Fernando Pessoa

Seis meses que estou neste lugar. Hoje o médico perguntou se eu poderia
escrever alguma coisa e apresentar. Claro que não! O desgraçado não
poderia suspeitar que ando a escrever. Acho que deram com a língua nos
dentes.
Todas as noites, antes das luzes apagarem, escrevo nestas
folhas de caderno velho. Mas não vou mostrar nada pra ninguém. NUNCA.
NADA. Eles que fiquem longe de mim. Não faço mal se me deixarem caminhar
pela minha solidão. E que não tentem me tirar do meu mundo. Aqui, todos
são péssimos. Acham que estou doente. Que preciso me curar. Ser feliz.
Feliz?! Que piada de mal gosto. Tudo mentira. E se for verdade, mais um
motivo para se afastarem de mim. Nunca simpatizei com as pessoas
felizes. As perfeitas, 'completas', 'bem resolvidas'. Àquelas que não se
arrependem do que fazem. Oh deuses! Arrependo-me de tantas coisas. O
que posso fazer? Há momentos em que penso: “Ah se pudesse voltar no
tempo!” Mas, que coisa!, o tempo não volta. E nessas horas tento lembrar
do contexto, imaginar se naquela estação haveria um modo de agir
distinto. Apesar do gosto pesado do pesar, acabo por me compreender e
seguir. Às vezes prometo um nunca mais. Às vezes, nada. O que sei mesmo é
que não gosto das pessoas que sempre acertam, que chatas que são!
Apresentam-se como "donas da verdade". Com gente assim: Sinal Vermelho!
Particularmente, gosto das pessoas que são imperfeitas e não têm
problemas em admitir; das que nem sempre conseguem o que querem;
daquelas que se perdem no meio do caminho. Adoro as pessoas que não me
poupam; das que não medem as palavras e me falam tudo o que quero
saber. Do contrário, distância! Não aceito ser poupada. Quero beber até o
último trago. Só assim consigo me manter na corda bamba da vida. Quero a
tempestade. Mas é só dá tempo, que conquisto a calma.
Sinto-me
atraída pelas pessoas que se apaixonam. Sou uma apaixonada. Exaltada.
Amo quem me deixa livre. Mesmo sem saber quem realmente sou, quero ser
eu. E preciso de solidão para ser. Preciso de tempo para desabrochar. De
segurança para confiar. Acho que gosto mesmo de quem é temperado com
uma dose de loucura, os “sem lenço e sem documento”. São esses os que me
seduzem. Os que gostam e não têm medo de aventuras. Sei que não sou
nada perfeita! Por isso me acompanho dos imperfeitos. Sou complicada.
Complexa. Dramática. Ando nos extremos. Mas também sou simples. Sou de
rir por besteira; choro quando quero e não quero. Volto atrás quando
voltam atrás. No entanto, sou de seguir em frente quando sinto que
preciso.
Falar de quem sou é um desafio. Pois nem sempre me
compreendem, e preciso fazer uso de um plural de palavras. Às vezes
canso! Eu sei que não consigo me relacionar bem. Dá uma reviravolta na
alma e a distância vem como soro para o meu veneno. Há quem compreenda,
mas compreendo que é difícil. Sigo aos tropeções. Viver! São tantos os
desejos, as inquietações. Já pensei anestesiar as angústias. Não
adianta! Preciso sentir tudo na carne. Mergulhar. Tocar no fundo do
poço. Ter nada e querer tudo. Tento seguir as curvas do tempo, ser
afável. O que não é fácil. São muitos os labirintos. Tem dias que acordo
e sinto que fui vestida com o humor do amado Álvaro de Campos, e nestas
alturas a acidez extrapola a cordialidade. Para não detonar, o remédio é
transferir para o deserto das caminhadas toda perturbação. Já nos
últimos tempos, caminhar não me basta. Preciso correr. Cansar o corpo – a
exaustão, a fazer par com uma boa música, deixa-me bem.
Por
fim, preciso dessas palavras num papel. Desaguar nessas folhas o que não
tenho coragem de gritar. Vou continuar assim até não poder mais. O meu
mundo é dos loucos, mas a minha alma é de lugar nenhum!