O primeiro canto

O primeiro canto

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

"A verdade, a dura verdade."

 

“Sejamos felizes durante os poucos dias desta breve vida.”

“Quanto à emoção, não posso responder; este calabouço tão feio, tão úmido, me dá momentos de febre em que não me reconheço; mas não vão me ver empalidecer de medo.”

O Vermelho e o Negro – Stendhal

 

Sócrates dizia que uma vida não examinada não vale a pena ser vivida. Eu digo que sem literatura, a vida não vale a pena. Nos momentos mais difíceis, foi a leitura de um bom livro que me fez conseguir enxergar a beleza e todo encantamento que existe em viver. Prestar atenção aos detalhes, refletir, sentir compaixão... Mas também foi com a leitura de alguns livros que senti tanta indignação e revolta, a ponto de não conseguir dormir bem. Ou vergonha de alguns comportamentos e perceber que deveria mudar. A leitura me afeta. E quanto mais afetada, mais humana. Talvez esse seja o valor supremo da literatura, humanizar.

É trágico saber que a leitura é uma espécie de privilégio. É lamentavelmente difícil saber que uma boa parte das pessoas não pode desfrutar do ócio para ler, ou usufruir o bem estar que a leitura nos proporciona. É muito triste!

Por causa dos livros, conheci pessoas singulares. Algumas seguirão comigo pelas estações, na certeza de uma lembrança perene - mesmo com toda distância possível. E mesmo que no meio do caminho exista desencontro, palavras que não deveriam ser ditas, ou silêncios ensurdecedores, é muito bom ter a amizade de alguém que aprecia  literatura.

Sinto-me grata pela possibilidade de conhecer pessoas assim, que fazem da leitura uma forma de estar no mundo. Que encontram sentido e fundamentam suas vidas e nos ajudam em nossa própria jornada. Para todas as pessoas que conheço e que nos tornamos mais próximas por causa dos livros, obrigada! Obrigada por me ajudarem a ser quem sou. Obrigada pela partilha e pela amizade. Pela paciência, generosidade. Agradeço a vida por ter tido a oportunidade de ter conhecido algumas pessoas tão importantes. Em especial, agradeço a um amigo que se foi no dia de hoje. A ele, sou grata por algo que é tão precioso e aprendi a valorizar ainda mais: “A verdade, a dura verdade.” Uma frase atribuída a Danton, que li em O vermelho e o negro. A análise que escutei dessa frase me fez enxergar a pessoa que fez a reflexão com muita admiração e respeito. Respeito ao seu modo de falar, às observações - ainda que cortantes, justas. Como ele dizia, "tem coisa que só falamos quando somos próximos, em especial as críticas". E é com todo respeito, admiração, tristeza (muita tristeza), que lamento muito não poder tê-lo conhecido mais. Não poder continuar escutando suas críticas, o riso (que às vezes corria solto).  Ainda assim, gratidão pelo efêmero de nossa amizade. "Começa um novo tempo de eterno não ser". 

Mesmo sendo limitada em termos de religiosidade, há uma espiritualidade e uma dor que me faz desejar paz, muita paz. Ou, como me ensinou um amigo: Shanti, shanti, shantihi.