O primeiro canto

segunda-feira, 28 de maio de 2018
sábado, 26 de maio de 2018
sexta-feira, 25 de maio de 2018
EU, ETIQUETA
Em minha calça está grudado um nome
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comparo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam
e cada gesto, cada olhar
cada vinco da roupa
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
que não é meu de batismo ou de cartório,
um nome... estranho.
Meu blusão traz lembrete de bebida
que jamais pus na boca, nesta vida.
Em minha camiseta, a marca de cigarro
que não fumo, até hoje não fumei.
Minhas meias falam de produto
que nunca experimentei
mas são comunicados a meus pés.
Meu tênis é proclama colorido
de alguma coisa não provada
por este provador de longa idade.
Meu lenço, meu relógio, meu chaveiro,
minha gravata e cinto e escova e pente,
meu copo, minha xícara,
minha toalha de banho e sabonete,
meu isso, meu aquilo,
desde a cabeça ao bico dos sapatos,
são mensagens,
letras falantes,
gritos visuais,
ordens de uso, abuso, reincidência,
costume, hábito, premência,
indispensabilidade,
e fazem de mim homem-anúncio itinerante,
escravo da matéria anunciada.
Estou, estou na moda.
É duro andar na moda, ainda que a moda
seja negar minha identidade,
trocá-la por mil, açambarcando
todas as marcas registradas,
todos os logotipos do mercado.
Com que inocência demito-me de ser
eu que antes era e me sabia
tão diverso de outros, tão mim mesmo,
ser pensante, sentinte e solidário
com outros seres diversos e conscientes
de sua humana, invencível condição.
Agora sou anúncio,
ora vulgar ora bizarro,
em língua nacional ou em qualquer língua
(qualquer, principalmente).
E nisto me comparo, tiro glória
de minha anulação.
Não sou - vê lá - anúncio contratado.
Eu é que mimosamente pago
para anunciar, para vender
em bares festas praias pérgulas piscinas,
e bem à vista exibo esta etiqueta
global no corpo que desiste
de ser veste e sandália de uma essência
tão viva, independente,
que moda ou suborno algum a compromete.
Onde terei jogado fora
meu gosto e capacidade de escolher,
minhas idiossincrasias tão pessoais,
tão minhas que no rosto se espelhavam
e cada gesto, cada olhar
cada vinco da roupa
sou gravado de forma universal,
saio da estamparia, não de casa,
da vitrine me tiram, recolocam,
objeto pulsante mas objeto
que se oferece como signo de outros
objetos estáticos, tarifados.
Por me ostentar assim, tão orgulhoso
de ser não eu, mas artigo industrial,
peço que meu nome retifiquem.
Já não me convém o título de homem.
Meu nome novo é coisa.
Eu
sou a coisa, coisamente.
Carlos Drummond de Andrade
Carlos Drummond de Andrade
quarta-feira, 23 de maio de 2018
Amor e ciúme na contemporaneidade: reflexões psicossociológicas
"O ciúme lançou
sua flecha preta
E acertou no meio exato da garganta
Quem nem alegre nem triste nem poeta"
Caetano Veloso
E acertou no meio exato da garganta
Quem nem alegre nem triste nem poeta"
Caetano Veloso
Lauane Baroncelli
O ciúme é um tema antigo e recorrente
nos discursos sobre os relacionamentos humanos. No escopo artístico, o amor e
os dilemas do ciúme foram muitas vezes capturados e em seguida revelados ao
mundo nos mitos, tragédias, dramas, bem como em obras de literatura, dança e
pintura, algumas das quais se tornaram célebres e imortais. É o caso, por
exemplo, de Otelo, de Shakespeare, em que o ciúme é metaforizado pelo autor na
imagem de um monstro de olhos verdes que cega o personagem do título e causa a
morte da doce Desdêmona, sua esposa. Também no Brasil, na literatura do final
do século XIX, o ciúme aparece em uma das obras mais conhecidas de nosso
imortal escritor, Machado de Assis, o romance Dom Casmurro. Poderíamos
citar muitos outros exemplos literários que giram em torno do tema, não apenas
em textos clássicos do passado, que permanecem no imaginário cultural até os
dias de hoje, como também em obras mais recentes.
Parece, assim, que o ciúme não é uma
experiência contemporânea. Ao contrário, ele é um sentimento antigo, atemporal,
que atravessa diferentes épocas e contextos. Os registros históricos que
retratam a forma pela qual o amor e o ciúme foram concebidos ao longo do tempo
constatam sua inserção histórica e seu caráter mutável de acordo com o contexto
ao qual estão referidos (Ariès & Bejin, 1986; Del Priore, 2005; Lázaro,
1996, entre outros).
Um aspecto revelador da condição
histórica do ciúme se expressa nos diversos códigos e prerrogativas sociais que
atuam sobre a infidelidade do homem e da mulher de acordo com as desigualdades
de gênero inerentes a cada época. Conforme diversos autores observam (Branden,
1998; Foucault, 1993; Freyre, 1977; Lázaro, 1996; Yalom, 2002), em vários
períodos da história a infidelidade do homem deveria ser aceita ou ao menos
tolerada pela mulher, ao passo que uma traição feminina podia levar, em alguns
contextos, à perseguição, abandono ou até à morte. Com isso, a manifestação de
ciúme, sua aceitação social e a própria experiência de ciúmes no interior das
relações amorosas entre o homem e a mulher foi, ao longo do tempo,
necessariamente marcada pelas especificidades de cada contorno sociocultural no
que diz respeito à fidelidade.
Neste artigo, aborda-se o ciúme diante
das interferências do contexto contemporâneo, discutindo o modo como as
transformações históricas que caracterizam a nossa época podem atravessar essa
experiência, dotando-a de significados particulares.
Pelo fato de o nosso interesse se
dirigir, aqui, ao campo psicossociológico, não nos preocuparemos em aprofundar
a discussão conceitual sobre o ciúme. Essa discussão já tem sido largamente
realizada na literatura existente sobre a questão (Cavalcante, 1997;
Ferreira-Santos, 1996; Pines, 1992; White & Mullen, 1989). Mas, para
introduzir o debate, precisamos esclarecer que operamos nossas análises sobre
aquela espécie de ciúme que gera, de forma significativa, algum grau de
sofrimento pessoal e interpessoal para o indivíduo e seu parceiro amoroso. Esse
sofrimento está vinculado a uma rígida desconfiança de infidelidade do
parceiro, nem sempre relacionado a situações reais de ameaça.
O flexível amor na contemporaneidade
A partir de meados do século XX, a
"civilização moderna industrial", assentada na produção e em máquinas
cada vez mais sofisticadas, começa a se transformar, progressivamente, numa
sociedade pós-industrial, mobilizada pelo consumo e pela informação (Santos,
1996). Neste contexto de transformação capitalista, a cultura também foi
afetada e, com ela, o domínio da experiência social contemporânea materializada
na vida cotidiana.
Conforme a análise de autores como
Bauman (2003), Giddens (2002) e Hall (2003), com o aparecimento e a propagação
dos meios eletrônicos de comunicação e a consequente articulação entre partes
do mundo geograficamente distantes, os aspectos locais e globais da existência
passam a interagir, e às certezas tradicionais são acrescentadas influências
advindas de diversas direções.
Com essa afirmação, não pretendemos
ignorar que aquilo que denominamos de "experiência social
contemporânea" encontra exceções e, até mesmo, tendências contrárias em
alguns grupos culturais específicos. Entretanto, vamos tratar aqui daqueles
grupos e sociedades que estão mais distintamente sob o domínio e a égide dessas
mudanças globais que caracterizam a contemporaneidade, algo que ocorre,
prioritariamente, nas camadas urbanas industrializadas das sociedades
ocidentais, principalmente a partir de meados do séc. XX.
Após os conturbados anos de 1960, tendo
a humanidade vivido a experiência de duas grandes guerras, ideias que tinham a
pretensão de universalidade começam a perder a consistência e a credibilidade
que tinham na modernidade, tornando-se relativizáveis (Hall, 2003; Vaitsman,
1994).
Segundo Hall (2003), num universo
marcado por tal questionamento de normativos universais, as antigas identidade
fixas e essenciais diluem-se. O sujeito assume, portanto, identidades móveis e
fragmentadas, muitas vezes contraditórias (Hall, 2003, p. 12). Tal processo
seria decorrente, segundo Hall, da emergência de novas identidades trazidas na
esteira dos movimentos raciais, feministas e de libertação nacional, trazidos
na esteira dos movimentos de contracultura na década de 1960 (Hall, 2003, p.
21).
Conforme Vaitsman (1994), tais
movimentos atacavam, por diversas frentes, atributos que consideravam o mundo
elitista e autocrático da Modernidade. Na luta contra formas variadas de
opressão - raciais, sexuais, étnicas -, a dominação subjacente à ideia de razão
universal do mundo moderno era fortemente denunciada. Ou seja, se a Modernidade
promulgava um indivíduo livre e igual, dotado de razão e capacidade para
apropriar-se das coisas da natureza, tais movimentos denunciavam, por detrás dessa
pretensa universalidade, a dominância, por vezes opressiva, de determinados
segmentos e categorias sociais particulares sobre outros (Rocha-Coutinho, 1996;
Vaitsman, 1994). No plano das relações amorosas e da família, por exemplo,
certezas relativas aos papéis de gênero eram baseadas, durante o período
moderno, numa visão essencial dos sexos. Tradicionalmente, a individualidade
feminina era tomada como valor determinado, devendo manifestar sua essência
como mãe e esposa. Somente a partir da ruptura da dicotomia entre público e
privado, materializada na participação das mulheres no mundo do trabalho, é que
tais normas tradicionais sobre os papéis sexuais no casamento e na família são,
finalmente, questionadas (Vaitsman, 1994).
A chamada "incredulidade em relação
às metanarrativas", expressão cunhada por Lyotard (1979), é bastante
reveladora da nova circunstância cultural em que todas as teorias que
pretendiam dar conta, de maneira definitiva e totalizadora, do entendimento
sobre a humanidade, são questionadas. Lyotard (1979) sustenta que a
pós-modernidade dilui narrativas totalizadoras, enquanto narrativas múltiplas e
alheias a qualquer legitimização universalizante passam a se impor, desafiando
a segurança das sólidas regras nas quais a modernidade se pautava e que
ajudavam a conformar a vida social (Pedro & Nobre, 2002-2003). No lugar da
visão Iluminista que promulgava a substituição das superstições e dogmas da
tradição pela certeza racional da ciência, o que se desenvolveu de fato, pelos
próprios trâmites inerentes ao método científico, foi o impositivo da
dúvida. A partir dele, todo conhecimento e conduta social recebem o status de
hipótese (Lyotard, 1979).
Em campos os mais diversos, que vão da
ciência à arte, à filosofia, à economia e à política, bem como nos
relacionamentos amorosos entre homens e mulheres, a heterogeneidade, a
abertura, a pluralidade, a flexibilidade, a instabilidade e a incerteza marcam
a experiência humana (Vaitsman, 1994).
Refletindo, portanto, a perspectiva
contemporânea, os diferentes modelos e padrões de relacionamentos amorosos
convivem lado a lado, sem que haja um modelo dominante que, de maneira
consistente, se sobreponha aos demais. Ao contrário, também no amor, diferentes
códigos e modelos tendem a se misturar e coexistir, como casais casados e
descasados, famílias adotivas, uniões liberais, uniões homossexuais, entre
outros (Giddens, 2002). Além disso, o relacionamento amoroso torna-se uma
experiência passível de repetição, mudança e de dissolução ao longo do tempo
(Bauman, 2004). Torna-se cada vez mais comum as pessoas afirmarem terem tido
vários amores ao longo da vida e, dificilmente, na contemporaneidade, alguém
declara sem hesitação a crença na eternidade do vínculo amoroso.
Analisando a conformação histórica da
nova condição do relacionamento a dois, diversos autores (Beck &
Beck-Gernsheim, 1995; Giddens, 2003; Rocha-Coutinho, 1996; Vaitsman, 1994)
observam que, com o mencionado questionamento da divisão sexual do trabalho
começam a se estabelecer as condições para o surgimento de um relacionamento
amoroso tal como ele é concebido na contemporaneidade. Nele, dois indivíduos
livres e com direitos iguais vão se confrontar com expectativas e projetos
pessoais que podem divergir (Vaitsman, 1994).
Além disso, a partir da década de 1960,
critérios relativos à classe social, raça e etnia começaram a ter importância
cada vez menor na escolha do parceiro amoroso. Surgiu a possibilidade de casais
coabitarem e o tabu da virgindade também começou, pouco a pouco, a se dissolver
(Del Priore, 2005; Yalom, 2002).
Como analisam Beck & Beck-Gernsheim
(1995), num tempo em que o antigo absolutismo das regras tradicionais sobre a
vida amorosa - materializado nas apriorísticas e predeterminadas fases de
namoro, noivado, casamento, sexo, filhos e morte - é questionado, a intimidade
amorosa passa a se desenrolar num terreno muito mais aberto e, por isso,
desafiador.
Cria-se um cenário propício para o
estabelecimento daquilo que Giddens denominou "relação pura"
(Giddens, 2002, p. 86). Homens e mulheres são vistos agora em bases iguais e
devem, com a maior liberdade possível, escolher com quem irão se envolver
amorosamente, bem como definir a forma do relacionamento, sua manutenção ou
dissolução. Rompe-se definitivamente com a antiga ideia de relacionamento em
que ficava estabelecida sua organização e garantida sua durabilidade ao longo
do tempo. Ao contrário, uma característica fundamental do relacionamento puro,
postulado por Giddens (2002), é que ele admite qualquer organização - casais
casados, co-habitação, relações "livres" etc. -, podendo também ser
terminado, sem maiores restrições, em qualquer momento e por qualquer um dos
parceiros.
Sem as antigas garantias da tradição que
propiciavam previsibilidade e a manutenção do relacionamento no tempo, os
parceiros de uma união amorosa precisam agora gerenciar a nova condição na qual
o relacionamento a dois se torna, nas palavras de Giddens (2003, p. 87),
"internamente referido". Isso quer dizer que, agora, o suporte do
casal advém, prioritariamente, das características da parceria amorosa que eles
próprios constroem, e não das antigas balizas da tradição que estabeleciam
regras previsíveis para o relacionamento.
Dá-se, assim, a substituição dos
relacionamentos apriorísticos do passado - praticamente isentos de projetos e
escolhas pessoais, e recheados de sociabilidade comunitária - pelo domínio da
opção pessoal, palco privilegiado das relações na contemporaneidade (Nolasco,
2001; Wittel, 2002). Isso não significa dizer que o momento atual esteja isento
de elementos de sociabilidade comunitária. Na realidade, aspectos tradicionais
persistem no domínio da intimidade amorosa, com mais importância, é verdade, em
certos contextos que em outros. No entanto, a tendência contemporânea parece
caminhar, explicitamente, para uma flexibilização desses condicionantes
externos preexistentes ao relacionamento amoroso, que passa a sustentar-se,
fundamentalmente, em si próprio.
Um casal que decide estabelecer um
compromisso amoroso na atualidade ingressa, portanto, no campo da escolha,
trazendo consigo todos os ganhos e riscos inerentes a esta nova posição. Sendo
assim, praticamente não há mais a possibilidade de se permanecer numa
experiência amorosa porque "assim se espera e deve ser". Ao
permanecer nela, o casal o faz por ter assim decidido, e não mais em
decorrência de leis de convivência social que estabeleciam, no passado, uma
rota quase inabalável de conduta.
Como analisam Beck & Beck-Gernsheim
(1995), na contemporaneidade, o relacionamento deve conferir felicidade e realização
para o casal, o que conforma a experiência amorosa como um campo do qual se
exige e se espera muito mais nos dias de hoje.
Longe do antigo, e por vezes entediante,
conforto de ir seguindo o "rio da vida" e da relação, o casal
precisa, agora, num rio de correntezas misturadas e concorrentes, determinar o
curso que deseja seguir. Giddens (2003) analisa como, nesse contexto,
habilidades emocionais como as concernentes aos domínios do diálogo, da
negociação democrática, da expressão de sentimentos, da revelação de si e da
capacidade de perceber o outro, dentre outras, passam a entrar definitivamente
em questão.
Diversos teóricos (Bauman, 2004;
Giddens, 2003; Plastino, 1996; Vaitsman, 1994) têm analisado, ainda, o modo
pelo qual o amor contemporâneo passa a refletir, de forma ambígua, a lógica
capitalista de mercado que se torna o centro da vida social.
Tais análises sugerem que, de maneira
subjacente à liberdade promulgada pelo novo modo de produção capitalista e o
individualismo que lhe é correlato, fins religiosos e tradicionais passaram a
ter poder de influência diluído na cena social, ao mesmo tempo em que as leis
do mercado tornaram-se o novo objetivo a ser alcançado. Por consequência, os
indivíduos e suas relações interpessoais tornam-se potencialmente atravessadas
e conformadas por tais leis. Nas palavras de Giddens (2002):
Os mercados operam sem consideração a
formas preestabelecidas de comportamento, que em sua maior parte representam
obstáculos à criação da livre troca ... Em maior ou menor grau o projeto do eu
vai assim se traduzindo como a posse de bens desejados e a perseguição de
estilos de vida artificialmente criados ... O consumo de bens sempre renovados
torna-se em parte um substituto do desenvolvimento genuíno do eu. A aparência
substitui a essência à medida que os signos visíveis do consumo de sucesso
passam a superar na realidade os valores de uso dos próprios bens e serviços em
questão (p. 183).
Diversos autores vêm analisando o
processo pelo qual o mencionado "projeto do eu" torna-se permeado
pelo consumo, de modo que os sujeitos, bem como seus relacionamentos, correm o
risco de confundirem-se, em alguns aspectos, com a lógica das mercadorias
(Bauman, 2004; Costa, 1998).
No campo das relações amorosas
contemporâneas, Miller (1995) associa tal processo ao que ele denomina
"terrorismo íntimo" (p. 74). A partir dessa metáfora, o autor explica
como, frequentemente, casais contemporâneos, ao invés de estabelecerem um
encontro com o outro, no qual a afirmação mútua retroalimente os envolvidos,
constroem um padrão baseado na disputa pelo controle da relação e prevalência
das ideias e desejos de cada um. Nesse sentido, ao invés de uma relação ou
parceria, o que acaba se desenvolvendo é algo semelhante a uma "guerra a
dois" em que, nos moldes da cultura capitalista de mercado, cada um luta
por seus próprios interesses, sem conseguir efetivamente se comunicar com o
outro.
O princípio de instantaneidade inerente
à lógica consumista é então reencenado na experiência a dois e, na ausência de
satisfação imediata, é provável que o descarte do relacionamento seja a atitude
em vista (Bauman, 2004; Costa, 1998).
Segundo Harvie Ferguson (1996, citado
por Bauman, 2001), o desejo deixa de ser, na fase atual do capitalismo
avançado, o critério em torno do qual as práticas de consumo se organizam. Em
seu lugar, impõe-se a pura vontade de consumir, um impulso mecânico que, ao
invés de dirigir-se ao desejo de status, vaidade ou inveja é apoiado,
sobretudo, em si mesmo.
Nessa lógica, satisfação e prazer não
estão necessariamente pautados num desejo efetivo que, estando finalmente livre
das repressões do passado, pode ser assumido e se desenvolver. Segundo Bauman
(2004):
Dizer "desejo" talvez seja
demais. É como num shopping: os consumidores hoje não compram para satisfazer
um desejo, como observou Harvie Ferguson – compram por impulso. Semear,
cultivar e alimentar o desejo leva tempo (um tempo insuportavelmente prolongado
para os padrões de uma cultura que tem pavor em postergar, preferindo a
satisfação instantânea).
Guiada pelo impulso
("seus olhos se cruzam na sala lotada"), a parceria sexual segue o
padrão do shopping e não exige mais do que as habilidades de um consumidor
médio, moderadamente experiente. Tal como outros bens de consumo, ela deve ser
consumida instantaneamente (não requer maiores treinamentos nem uma preparação
prolongada) e usada uma só vez, "sem preconceito". É, antes de mais
nada, eminentemente descartável (pp. 26 -27).
A força e a aparente radicalidade das
palavras e dos sentidos do texto de Bauman, longe de representarem, em nossa
opinião, uma análise retórica daquilo que se desenvolve hoje no contexto das
parcerias afetivo-sexuais, retratam aquilo que vivemos e presenciamos na cultura
em nossos dias. Paradoxalmente, os indivíduos contemporâneos, ao mesmo tempo
ávidos por buscarem companhia e se vincularem amorosamente, parecem viciados na
velocidade e nos signos do consumo, sendo, por vezes, maquinalmente levados
pelas regras, modelos e padrões mercadológicos, coisificando a si mesmos e aos
outros sem se darem conta disso.
Nessa lógica, enquanto a sexualidade
"usada uma só vez, sem preconceito" é uma expressão natural da
liberdade tão valorizada na contemporaneidade, experiências duradouras, que
envolvem um investimento situado para além da ordem do impulso, tornam-se
marcadas por um misto contraditório de anseio e descrença.
Revelando tais contradições, a ênfase
contemporânea na intimidade como espaço privilegiado para a realização
individual transforma o amor numa espécie de método para o alcance da
felicidade (Beck & Beck-Gernsheim, 1995; Giddens, 2003). Lázaro (1996)
acrescenta que, entretanto, quando tal experiência não oferece soluções tão
imediatas quanto o sexo, implicando, ao invés disso, uma necessidade de riqueza
interior que possibilite o controle emocional da vida a dois, o relacionamento
amoroso corre o rico de transformar-se num projeto que está eternamente
recomeçando, numa eterna busca pela felicidade prometida.
Abertura, pluralidade e extremismo da
paixão: em busca de uma compreensão do ciúme na contemporaneidade
Um contexto cultural que, como vimos até
aqui, questiona referências tradicionais, penetra ambiguamente na experiência
social. Por um lado, libera o indivíduo de uma vinculação engessada com o
coletivo, potencializando posturas mais autônomas e criativas; por outro, o
distancia da segurança das regras culturais generalizantes, forçando-o -
algumas vezes, sem que possua condições para tal - a se guiar sozinho. Diante
desta nova exigência de autonomia e autofundação, não raro, a depender das
vicissitudes de cada experiência particular, sofrimentos e ambiguidades podem
ser desencadeados (Beck & Beck- Gernsheim, 1995; Dufour, 2001), como é o
caso do ciúme.
Giddens (2002) aponta que, em
circunstâncias de abertura dos autossustentados relacionamentos amorosos
contemporâneos, a confiança possui um papel fundamental: é ela que possibilita
para os sujeitos o sentimento de proteção necessário para o envolvimento numa relação
amorosa que não segue mais um curso predeterminado pelas obrigações
tradicionais. Sem o sentimento de confiança, o indivíduo tende a se sentir
vulnerável diante da realidade cotidiana de um compromisso amoroso, amedrontado
com a possibilidade, sempre presente, de dissolução do mesmo e, ainda, com a
responsabilidade que possui em sua manutenção e desenvolvimento. Munido desse
sentimento, adquire um sentido de segurança ontológica que permite "pôr
entre parêntesis" (Giddens, 2002, p. 52) possíveis contingências que
possam afetar seu relacionamento amoroso no futuro, conseguindo envolver-se
numa experiência em que as características de abertura e flexibilidade são os
princípios fundamentais.
Esta espécie de fé pode parecer,
contudo, uma exigência alta demais para alguns indivíduos que, aos serem
liberados das referências que outrora os ajudavam a definir os relacionamentos
amorosos, e entregues a relacionamentos abertos e dinâmicos como os que
caracterizam a contemporaneidade, podem encontrar-se mais inseguros do que
liberados para uma intimidade amorosa enriquecedora (Bauman, 2004).
De maneira menos otimista que Giddens,
Bauman (2004) mostra-se pouco propenso a acreditar que a confiança possa
desenvolver-se de modo a sustentar os "relacionamentos puros" dos
indivíduos na contemporaneidade. A vida amorosa contemporânea, segundo o autor,
além da pureza, no sentido atribuído por Giddens, reflete os valores de uma
lógica consumista de mercado, na qual o descarte da relação em busca de outra
que prometa mais satisfação, prazer e menos esforço é uma possibilidade cada
vez mais presente na experiência dos casais.
Bauman (2004) argumenta, ainda, que a
confiança precisa ser construída pelo casal no interior de um relacionamento
que envolve dedicação, compromisso mútuo e saúde psicológica de cada parceiro,
de maneira que o sentido da relação seja construído e reafirmado
cotidianamente. Porém, ainda segundo o autor, no interior de uma lógica
cultural do consumo, a dedicação necessária à construção da confiança pode representar
um preço demasiado, que nem todos estariam dispostos e nem mesmo em condições
de pagar.
Independentemente do ponto de vista
adotado, para relacionar-se amorosamente na contemporaneidade, os indivíduos
precisam, de algum modo, conviver com a autonomia e a leveza de uma relação que
se torna um "contrato somente até nova ordem" (Giddens, 2002, p. 23),
marcada pelas dimensões do risco e da incerteza.
Nesse ponto, podemos pensar que o ciúme
das relações amorosas contemporâneas pode representar a circunstância na qual a
insegurança toma a cena a dois e o relacionamento se transforma numa empresa
conflitiva e arriscada na qual a confiança é justamente uma das questões mais
difíceis de serem resolvidas. Assim, num mundo tão aberto em que a continuidade
do relacionamento amoroso é somente uma possibilidade dentre outras, a
desconfiança do ciumento pode ser uma estratégia de esquiva diante da ansiedade
despertada por um mundo lançado ao arriscado reino da opção. Considerando-se
ainda o fato de que tais indivíduos se constituem num cenário cultural onde os
propósitos pessoais refletem os fugazes princípios do consumo, o contato
genuíno com o outro, base fundamental para uma relação baseada em confiança, é
posto em cheque.
O próprio Giddens (2002), apesar de
apostar na construção de um compromisso pautado em confiança nos tempos atuais,
analisa que a intimidade, condição principal da estabilidade contemporânea nos
relacionamentos, só é alcançada pelo esforço pessoal de indivíduos seguros de
suas próprias autoidentidades. A intimidade e, consequentemente, a confiança,
supõem a capacidade de uma abertura e de um contato mais profundo com o outro,
num "equilíbrio de autonomia e revelação mútua necessárias para sustentar
trocas íntimas" (Giddens, 2002, p. 93), o que, por sua vez, depende de
"um trabalho psicológico" (Giddens, 2002, p. 92) que não é
necessariamente fácil de ser realizado por todas as pessoas.
No ciúme, a problemática se revela
através de um comportamento em que, num contexto de múltiplas possibilidades, o
relacionamento passa a ser sentido, simultaneamente, como a tábua de salvação e
como um agravante do medo e da ansiedade.
Dessa forma, diante da falta de proteção
e do risco envolvidos numa "relação pura", se o imaginário social
indica que, no lugar do amor eterno do passado, hoje qualquer coisa pode
acontecer, principalmente o fim do amor, é compreensível que alguns indivíduos
busquem num controle ciumento da relação uma resposta possível. Com isso,
polariza-se: deixa de haver individualidade, liberdade e diferença na relação,
ou, pelo menos, tenta-se ignorar que haja, na medida em que se tenta fazer de
si uma sombra do outro. Para tanto, busca-se saber onde o parceiro está, com
quem e como, conhecer tudo sobre seu passado, investigar o seu presente e controlar
o seu futuro. Constrói-se, dessa forma, uma relação em que não se é mais
ninguém sozinho, em que se é dependente e indissoluvelmente ligado ao outro,
numa oposição clara à liberdade e fluidez que marcam a experiência amorosa
contemporânea.
De modo congruente com essas reflexões,
Bauman (2004), assinala que:
Quando a insegurança sobe a bordo,
perde-se a confiança, a ponderação e a estabilidade da navegação. À deriva, a
frágil balsa do relacionamento oscila entre as duas rochas nas quais muitas
parcerias se esbarram: a submissão e o poder absolutos, a aceitação humilde e a
conquista arrogante, destruindo a própria autonomia e sufocando a do parceiro.
Chocar-se contra uma dessas rochas afundaria até mesmo uma boa embarcação com
tripulação qualificada. O que dizer de uma balsa com um marinheiro inexperiente
que, criado na era dos acessórios, nunca teve a oportunidade de aprender a arte
dos reparos? Nenhum marinheiro atualizado perderia tempo consertando uma peça
sem condições para a navegação, preferindo trocá-la por outra sobressalente.
Mas na balsa do relacionamento não há peças sobressalentes (p. 31).
A partir dessa apreciação da situação
das relações amorosas na atualidade, podemos pensar que as conquistas
históricas de liberdade e abertura nos relacionamentos contemporâneos, como
vínhamos descrevendo, geram novos desafios. Assim, na contemporaneidade, o
indivíduo corre o risco de não saber muito bem o que fazer com a liberdade
conquistada e, sem referências sociais consistentes para além da lógica imediatista
do consumo, pode acabar desbancando para um individualismo extremo que acabe se
chocando frontalmente com os anseios, igualmente presentes, de cumplicidade,
proteção e compromisso. Diante disso, soluções que mesclam "a submissão e
o poder absolutos, a aceitação humilde e a conquista arrogante" (Bauman,
2004, p. 31) podem emergir em uma resposta extrema que, no caso do ciúme,
frequentemente se baseia numa fantasia de dominação e controle do outro que
tente fazer frente à situação ambígua e aberta que se enfrenta.
Num contexto de abertura, a relação
amorosa contemporânea necessitará, segundo Bauman (2004), de vigilância e
defesa para que se mantenha. No ciúme, porém, tal vigilância e defesa não
se expressam no necessário monitoramento emocional da relação amorosa, sendo
materializada no sentido mais escravizante do termo: o de eterna e minuciosa
vigília e autoprotecão diante de uma situação tão aberta quanto ameaçadora.
Giddens (2002) vai sublinhar, na mesma
direção da análise de Bauman, que a busca por um estilo de vida tradicional na
contemporaneidade oferece sempre e, tão somente, uma segurança limitada. De
fato, a tranquilidade que o ciumento adquire através de seu comportamento de
busca por controle e domínio do outro e da relação possui um valor fugaz
impossível de ser apreciado. Logo, antes mesmo de usufruir as respostas e
confirmações para as suas duvidas e exigências, o indivíduo contemporâneo já
está novamente ciente das condições flexíveis do amor em nosso tempo, o que
pode ajudar a manter a ansiedade que se tenta tão dolorosamente evitar por meio
do ciúme.
Além disso, num contexto em que, segundo
a lógica cultural do capitalismo atual, acentua-se a volatilidade e efemeridade
da moda, dos produtos, das informações, das ideias, serviços, valores e práticas
estabelecidas, as pessoas passam a se descartar, de modo muito mais natural,
não apenas de bens e produtos, mas também de estilos de vida e relações
estáveis (Araújo, 2002; Bauman, 2004; Vaitsman, 1994).
Não é surpreendente, portanto, que um
indivíduo que decida se envolver, atualmente, num relacionamento amoroso possa
se sentir vulnerável, alguém que teme transformar-se no próximo produto antigo
a ser posto em desuso. Nesse processo, pode sentir-se ameaçado tanto pelo
prestígio de uma valorização explícita de um presente transitório quanto por um
futuro posto em dúvida, reagindo através de cobranças e escravizações na
dolorosa e inócua tentativa de produzir previsibilidade e controle.
Além de uma postura reativa à nova
condição da experiência amorosa, o ciumento acaba materializando, vale
sublinhar, uma postura que reproduz os princípios veiculados no contexto
contemporâneo.
Segundo Lázaro (1996), a valorização da
estética, signo privilegiado da cultura na contemporaneidade, é propagada de
forma penetrante via mídia e outros dispositivos dos meios de comunicação em
massa. Sendo conformada dentro dos modelos padronizados e preestabelecidos pelo
mercado, passa então a repercutir, não raro, nas problemáticas amorosas através
de um culto à imagem que se sobrepõe aos critérios espirituais e morais que
também legitimam o desejo.
Tais virtudes da beleza em padrões
massivos podem ser passivamente captadas e reproduzidas pelo ciumento que, na
busca insaciável, e provavelmente inatingível, para atingir tais padrões, acaba
mitigando a sua já frágil autoestima. Nesse caso, a competição - valor
mercadológico que dá contorno às experiências sociais em nossa época - passa,
não raro, a ser um princípio reproduzido no comportamento de ciúme, quando o
individuo, numa busca minuciosa e comparativa de beleza, tenta superar nesse
aspecto a si mesmo e aos outros.
A própria lógica do consumo é também materializada
na conduta ciumenta em que o outro é tomado, frequentemente, como mais um
objeto para posse, controle e uso exclusivistas. Com isso, a troca genuína na
qual o outro é considerado em sua diferença e liberdade torna-se impraticável.
Ao invés disso, no caminho da coisificação mercadológica do outro, a cada
insatisfação (como quando, por exemplo, o parceiro retorna mais tarde do
trabalho), o "consumidor" se sente no direito de exigir, sem demora e
tolerância, total ressarcimento, desculpas e novas garantias.
Se o interesse daquele que sente ciúmes
é manter o outro sob um jugo ordenado de acordo com seus "direitos de
consumidor", não existe espaço para injustificáveis momentos e movimentos
solitários, que se tornam munição certeira para mais ciúme e exigências
confinantes. Em consequência, aquele que é alvo do ciúme, num movimento de
contra-ataque e defesa, posiciona-se frequentemente no lado oposto, na luta
pela própria individualidade, independência e discriminação de si. Nesse caso,
longe de uma vida em comum, seus interesses são opostos: se um lado vence, o
outro sai derrotado, o que torna impossível, a não ser num movimento de fusão
que anularia irremediavelmente a diferença, vencerem juntos.
Considerações finais
As ambiguidades da vida contemporânea,
enraizadas num contexto de incertezas, potencializam, como defendido por
diversos autores (Bauman, 2004; Beck & Beck-Gernsheim, 1995; Dufour, 2001;
Giddens, 2002; Lebrun, 2004), a abertura de um espaço propício aos extremismos.
Assim, como vimos ao longo do artigo, diante de um mundo com possibilidades tão
plurais e com tão frágeis e fugazes referências nas quais o indivíduo possa se
assentar, comportamentos extremados - tal como o consumo de drogas, ligações
com bandos e seitas as mais diversas, entre outros, como é o caso do ciúme de
caráter mais extremo - podem parecer a melhor defesa, ou, pelo menos, a mais
viável delas.
Nesse sentido, se tudo se move e se
desloca, os indivíduos buscam, como bem aponta Bauman (2003), comunidades
imaginadas a que possam pertencer com segurança. Nesse processo, os indivíduos
acabam, algumas vezes, perdendo em liberdade. É o que pode ser observado,
segundo o autor, no surgimento de guetos habitacionais criados artificialmente
para se ter segurança; ou, utilizando os guetos como metáfora, nos guetos de um
relacionamento marcado pelo ciúme, onde se tenta, também de modo artificial,
construir uma unidade com o outro, uma homogeneidade que solape as incertezas
da diferença e da liberdade dos relacionamentos amorosos contemporâneos.
Entretanto, na contemporaneidade, a
"comunidade realmente existente" (Bauman, 2003, p.19), ou seja,
qualquer tentativa de acordo com regras fechadas e bem delimitadas, nunca
estará, ainda assim, imune à reflexão e à mudança. Com isso, ao invés de ajudar
a minorar a insegurança, a comunidade – e, da mesma forma, a união amorosa -
pode, paradoxalmente, vir a sublinhar os temores. Resume Bauman (2000, p. 30):
"Numa relação (na contemporaneidade), você pode sentir-se tão inseguro
quanto sem ela, ou até pior. Só mudam os nomes que você dá à ansiedade".
Nesse cenário, alguns se tornam
vulneráveis à mordida do monstro de olhos verdes, e a ciosa tentativa de
controle da vida em comum torna-se a saída dolorosamente buscada para o
gerenciamento da nova condição da experiência amorosa em nossos dias.
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Lauane Baroncelli é Psicóloga,
Mestre em Psicossociologia de Comunidades e Ecologia Social (EICOS – UFRJ);
membro do corpo docente do Núcleo Dialógico de Gestalt-terapia; Atualmente
cursa o Doutorado na University College Cork (Irlanda). Endereço: 8, Barr
Aille. Tuam Road. Galway, Ireland. Email: lauaneb@ig.com.br
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