A Carta de Lorde Chandos é um
pequeno grande texto, em que Hugo von Hofmannsthal descreve uma súbita crise de
linguagem experimentada por Lorde Chandos, um jovem poeta que, face a todo um
novo mundo que se abre diante dos seus olhos, repleto de sensações e fenómenos
que o invadem e fazem fervilhar todo o seu ser, dá-se conta da impotência das
palavras, que outrora manejava com desenvolta mestria, para abarcar essa
harmonia transcendente entre o seu interior e o mundo inteiro. Esta Carta é
também um paradoxo: um escritor, para quem as palavras já não possuem
significado nem utilidade, consegue escrever um texto de uma eloquência
simplesmente prodigiosa.
"Senti neste momento, com uma
certeza que não deixou de ser dolorosa, que nem no próximo ano, nem no
seguinte, nem em mais ano nenhum da minha vida, escreverei um livro, quer
latino, quer inglês: e isto por razão estranha e penosa que a infinita superioridade
do seu espírito saberá, com um olhar não obscurecido, situar no lugar que lhe
pertence no reino dos fenómenos corporais e espirituais, aberto harmoniosamente
perante si: quero dizer que a língua em que me seria, talvez, dado não apenas
escrever, mas pensar, não é nem o latim, nem o italiano, nem o espanhol, mas
uma língua de que não conheço uma só palavra, uma língua com que as coisas
mudas me falam e na qual deverei talvez um dia, do fundo da campa,
justificar-me perante um juiz desconhecido."
Hugo von Hofmannsthal, "Carta de Lord Chandos", tradução de Carlos
Leite, Hiena editora, Lisboa, 1990.