Por
Walter Casagrande
Vivemos tempos estranhos. Comemora-se
a intervenção das Forças Armadas no Rio como se fosse uma solução eficaz e
esquece-se de todas as últimas vezes (e não foram poucas nesta década) que
blindados andaram pelas ruas e vielas da cidade e em nada resolveram a questão
da criminalidade. Um extrato privilegiado da população bate no peito sem
constrangimento algum para apoiar um defensor da ditadura (sem falar nas
posições do mesmo sobre mulheres e homossexuais) que figura entre os favoritos
na corrida presidencial. Pior, banqueiros o aplaudem de pé. O que fazer?
Lamentar é a solução mais óbvia.
Prefiro enfrentar com diálogo. Afinal, esta é a grande conquista da democracia.
Foi por isso, para ter liberdade de pensar, falar, vestir-se como quiser, de
ter o partido político que preferir e defender as bandeiras em que acreditar
que lutamos durante 21 anos. Todas essas manifestações, desde que feitas dentro
da lei, com respeito e valores, fazem parte de uma democracia madura.
Daí a importância do esporte como
palco, sim, de discussões políticas. Por que os atletas deveriam se abster? A
democracia dá o direito a donas de casa, cabeleireiros, taxistas,
apresentadores de televisão e também a atletas profissionais de se manifestarem
politicamente. Faz parte do jogo.
Recentemente, recebi críticas e
elogios por uma coluna publicada aqui na GQ sobre o apoio de jogadores de
clubes paulistas ao mesmo candidato que cito no início deste texto. Os críticos
me acusaram de tentar censurá-los. Não era isso. A minha posição foi apenas de
cobrar responsabilidade dos atletas, para que fossem claros na defesa de seus
ideais políticos. Assim como, na maioria das vezes, o são quando o assunto é
religião.
É preciso valorizar o palco que o
esporte oferece. Foi isso que Tommie Smith e John Carlos, ao repetir o gesto
consagrado pelos Panteras Negras, fizeram durante os Jogos Olímpicos do México,
em 1968, ao mostrar o quão urgente era a discussão sobre o racismo. Muhammad
Ali, o maior boxeador de todos os tempos, negou-se a combater no Vietnã
justamente por saber o valor que a decisão de um ídolo do esporte teria em
torno do debate da guerra. Mais recentemente, atletas da NBA demostraram grande
insatisfação com o governo de Donald Trump. Jogadores de futebol americano foram
na mesma linha e muitos passaram a se ajoelhar durante a execução do hino
nacional.
Por aqui, lembro sempre da Democracia
Corinthiana. Sim, porque junto com Sócrates, meu grande parceiro, participei
dela, e isso me enche de orgulho, mas mais ainda por acreditar que fomos peça
importante para aumentar o coro que exigia o retorno da democracia. Eu tenho
orgulho de ter participado, em 1979, de um show a favor da anistia dos presos
políticos. Também me orgulho de, em 1982, ter feito um show para pedir a redemocratização
do país. Eu tenho orgulho de ter participado do movimento das Diretas Já. E
tudo isso enquanto era atleta profissional, jogador do Corinthians. Por que
hoje eu não poderia fazer isso? Quem proíbe o jogador de participar disso está,
indiretamente, apoiando ideias reacionárias.
E o caminho é inverso. Em um momento
tão polarizado, extravasar isso é essencial. Só com o diálogo chegaremos a
algum lugar. Espero que o esporte em geral continue exercendo sua função de
servir de palco para ampliar as grandes discussões de um país, do mundo, para
além da diversão.
Viva a democracia!