"Jorge Amado escrevendo do Brasil:
'Aqui o sufoco é grande, problemas imensos, atraso político inacreditável, a
vida do povo dá pena, um horror'. Diz-me que até ao fim do mês estará na Bahia,
que passará por Lisboa antes de seguir para Paris. Esta vida de Jorge e Zélia
parece do mais fácil e ameno, uma temporada aqui, uma temporada ali, viagens
pelo meio, em toda parte amigos à espera, prêmios, aplausos, admiradores_ que
mais podem esses dois desejar? Desejam um Brasil feliz e não o têm.
Trabalharam, esperaram, confiaram durante toda a vida, mas o tempo deixou-os
para trás, e, à medida que vai ele passando, é como se a própria pátria, aos
poucos, se fosse perdendo, também ela, numa irrecuperável distância. Em Paris,
em Roma, em Madrid, em Londres, no fim do mundo, Jorge Amado recordará o Brasil
e, no seu coração, em vez daquela lenitiva mágoa dos ingênuos, que é a saudade,
sentirá a dor terrível de perguntar-se: 'Que posso eu fazer pela minha terra?'_
e encontrar como resposta: 'Nada.' Porque a pátria, Brasil, Portugal, qualquer,
é só de alguns, nunca de todos, e os povos servem aos donos dela crendo que a
servem a ela. No longo e sempre acrescentado rol das alienações, esta é,
provavelmente, a maior. (José Saramago, Cadernos de Lanzarote)