O primeiro canto

O primeiro canto

sexta-feira, 25 de setembro de 2020

"Uma única pessoa está ausente, mas o mundo inteiro parece vazio"



Phillipe Ariès (autor da frase que intitula esta postagem) foi um historiador que, entre muitos trabalhos, teve destaque ao falar sobre a morte - uma ausência dominante, que esvazia o mundo. Em O ano do pensamento mágico, a escritora Joan Didion nos faz sentir, a partir de um plural de lembranças e reflexões, esse vazio, essa ausência. O livro é um registro das memórias do primeiro ano sem o seu companheiro de décadas, o também escritor, John Gregory Dunne - que morreu devido a um ataque cardíaco fulminante, em 30 de dezembro de 2003.  

 "Somos seres mortais imperfeitos, conscientes dessa mortalidade mesmo quando a negamos, traídos por nossa própria complexidade, tão incorporada que quando choramos a perda de seres amados também estamos chorando, para o bem ou para o mal, por nós mesmos. Pela perda daquilo que éramos. Do que não somos mais. Do que um dia não seremos de todo" (p. 207).


Didion nos faz pensar na vida, na morte. Na saudade... no luto. Em termos de perder alguém muito especial, talvez o primeiro ano de ausência seja um dos mais difíceis - comumente esperamos que de modo mágico, a realidade seja distinta da que somos obrigados a viver. Somos afetados por um vórtice de lembranças, desejos frustrados, culpas. Uma vida nova, ordinariamente cheia de dor. Como diz a escritora: "A vida muda rapidamente. A vida muda em um instante. Você se senta para jantar e a vida que você conhecia termina."  No entanto, ainda assim precisamos aprender a enterrar os mortos; deixá-los morrer - embora reconheçamos o imenso desafio que isso representa. 

"Sei por que tentamos manter vivos os mortos: tentamos mantê-los vivos para que permaneçam conosco.
Também sei que, se quisermos viver, chega um momento em que temos que nos libertar dos mortos, deixá-los ir, deixá-los mortos" (p. 235).

De modo particular, O ano do pensamento mágico é um livro marcante - ainda mais para quem já viveu a inesquecível experiência de perder quem ama - difícil não se enxergar, pelo menos um pouco, na história. Depois desse livro Didion escreveu Noites azuis, que fala sobre a morte da única filha, Quintana Roo (o mesmo nome da cidade mexicana), que morreu em 2005 - vinte meses depois da morte do pai.  

Por fim, vale a pena a leitura!