O primeiro canto

O primeiro canto

terça-feira, 13 de abril de 2021

Memórias do calabouço

 


"Aqui não há ódio. O ódio não nos motiva. Nosso testemunho integra-se ao espírito da dignidade. Um antigo provérbio diz: 'Qem se lembrar do passado tem que perder um olho. Quem o esquecer, os dois'. Move-nos, a todos, o sentimento desesperado de que as bestas permaneçam em suas tocas, para que no Uruguai de Todos (também deles, em seus respectivos lugares) seja hasteada a seguinte bandeira: NUNCA MAIS."

***
O testemunho desses homens, sem o ódio que seria compreensível, é validado pela vida que viveram depois da libertação dos calabouços. Compromisso com os ideais que orientaram e guiam suas vidas. Tiveram que resistir aos sofrimentos do corpo e da alma. Tiveram que enfrentar fantasmas... Suportaram anos de tortura, isolamento e situações que muitos não conseguiram suportar. E nem por isso são melhores. O olhar de solidariedade aos que sucumbiram é uma marca da capacidade que temos de compreender a humanidade que há em nós. No caso deles, a capacidade de analisar inclusive o contexto social, psicológico, de seus algozes.

"Uma noite de 12 anos" foi baseado nesse livro. O filme em si é capaz de mostrar o horror que esses homens viveram. O amargo tempo de quase desesperança. Ainda assim, o livro nos revela que o inferno foi mais profundo. Não obstante, 
através de suas vidas, aprendemos que é possível experimentar humilhações brutais e, apesar disso, podemos (precisamos!) recrutar internamente a força necessária para que isso não nos destrua.
Por fim, outra grande lição, a maior inspiração que esses testemunhos carregam, é de que:

"Quando tudo, tudo é hostil e mesmo quando querem entrar em sua consciência, com as unhas sujas, o refugio dentro de si mesmo é uma conquista. Dia a dia é necessário lutar."

"Porque um dos princípios que tínhamos era resistir, mas resistir com dignidade."


sexta-feira, 9 de abril de 2021

Para o meu Outono de todas as estações

 

De todas as estações, o Outono é o tempo em que a minha alma se sente em casa. É também a estação do teu nascimento. Um tempo de profundas mudanças. 

Muitas dessas palavras já estão embotadas pelo tempo, ainda assim preciso te dizer cada uma delas. 

O mundo não é um lugar fácil. A vida não é fácil, mas compartilhá-la contigo deixa mais leve todo o peso que existe. É tão bom te conhecer e conviver com esse teu sorriso. Esse teu jeito forte e suave. Um contraste encantador!

Contigo me sinto bem para ser quem sou - vulnerável, caótica, limitada. Aprendiz!

A nossa relação não tem espaço para a perfeição. Tem espaço para carinho, abraços e beijos. Para exigências; desculpas; por favor; obrigada! Tem espaço para as fronteiras, assim como para muita reflexão e novas tentativas. Preocupo-me com as palavras e o meu jeito de lidar com a vida. Preciso levar a sério as palavras, pois é meu desejo que possas utilizá-las de modo adequado. Fale o que te incomodar, exponha o pensamento. No entanto, lembre-se: o som do silêncio acalma a alma. 

Desejo tantas coisas pra ti. E prometo que enquanto estiver ao teu lado, vou fazer o possível para realizar esses desejos.  

Dos muitos anseios, o mais forte é que possas ter certeza de que dentro de ti existe uma força capaz de te fazer superar as dificuldades. No entanto, é necessário ter paciência,  respirar, manter a calma e contar com pessoas de confiança. Na dúvida, leia e releia o poema de Maya Angelou: “Ainda assim eu me levanto” – sinta (absorva!) o poder desse grito de força e resistência. 

Viva muito! E compreenda que os livros podem contribuir para o autoconhecimento, assim como conhecer mais das pessoas e do mundo. LEIA! LEIA! Leia o máximo possível. Apaixone-se por bons livros. Pois com a leitura, nunca estamos verdadeiramente sozinhas. Nunca esqueça: literatura salva! Trabalhe, seja independente. Tenha uma vida simples e cheia de pequenos contentamentos. Observe o céu! Lá, os pássaros voam. Também é o lugar das nuvens, do sol, da lua. Contemple a lua - o ciclo lunar é um sopro de vida; seus mistérios e simbologias dão um toque de encantamento para tudo o que existe. Não esqueças, somos mulheres enluaradas. Olhe sempre para o céu noturno, o mar de estrelas.

Estude, escute boas músicas. Dance. Cante. Toque a terra. Regue as plantas. Perceba quando é tempo de morrer e de viver. Compreenda esse mistério.

Seja responsável por ti. Não responsabilize ninguém por tuas escolhas. Se não faz bem, tenha coragem de mudar. Transforme-se! 

Tenha boas amizades - enxergue o quanto isso é valioso e benéfico. Os amigos ajudam a suportar o peso e a leveza da vida. 

Olhe nos olhos. Aprecie a beleza de ouvir uma voz que fala com honestidade.

Respeite as pessoas. Discorde quando for necessário. E quando errar, reconheça. Peça desculpas - contudo, só faça isso se for sin.ce.ro. Afaste-se se isso for importante. 

Perdoe a si e tente perdoar aos demais. Seja boa com você. Conheça seus limites e respeite quem você é.

Compreenda que toda relação saudável é uma soma. Reciprocidade.

Seja verdadeira consigo e com as pessoas.  Ame a si mesma! E não esqueça: o alimento do amor é a liberdade. Deixe ir quem não quer ficar. Vá você também, se for da tua vontade. 

Lembre-se do quanto és amada e respeitada.

Sinta-se bem com o teu corpo. Aceite as mudanças que o tempo provoca. Goste da tua feição, da pele que habita. Cuide da saúde, porém, leve em consideração que saúde não é ausência de doença. Alimente-se com comidas saudáveis. Beba chá! Beba muita água.

Não faças da tua vida um espetáculo. Seja discreta. Não te preocupes com as folhas, cuide bem das raízes. Não é qualquer vento que derruba uma árvore de raiz profunda. Pense nisso - é uma analogia que faz bem.

Viva e deixe viver!

Mesmo reconhecendo que a vida não é fácil (e que haverá muito sofrimento, pois todos nós sofremos), MANTENHA A ESPERANÇA! Por favor, meu Outono, cultive-a! Sem esperança, não conseguimos continuar. Como diz Raymond Williams: “Ser verdadeiramente radical é tornar a esperança possível e não o desespero convincente.” Entretanto, a esperança não poder ser cega. Falo em esperança no sentido de comunidade – de fé em si, mas nunca esquecendo o seu lugar no mundo e da coletividade desse mundo. Ninguém é uma ilha! Lute ao lado das mulheres e homens que lutam por justiça - junte-se aos que resistem e ousam forjar um mundo diferente.

Não te esqueças, todos nós estamos a caminho do poente de nossas vidas. E enquanto a morte não existir: VIVA!

Ame a natureza. Cultive plantas! Aprecie o calor que o sol nos faz sentir. Perceba a chuva como uma dádiva. Sinta o vento bater no teu rosto. Escute as ondas do mar. Veja, sinta, ENXERGUE a vida com admiração. Inspire, respire e expire. E não te esqueças do ensinamento do romantismo alemão: O caminho do mistério aponta para dentro.

É MUITO saudável escutar a tua voz, sentir o teu abraço. Isso me faz sentir muita gratidão. Obrigada sempre, sempre! Obrigada por fazer parte de quem sou. 

O nosso amor persistirá!

Por fim, se algum dia o desespero for muito grande, respira e repita: Isso também vai passar! E nunca esqueça: Ainda assim eu me levanto!

Meu amor, meu Outono de todas as estações.