O primeiro canto

quarta-feira, 13 de maio de 2015
domingo, 10 de maio de 2015
sábado, 25 de abril de 2015
A Verdadeira Liberdade
A liberdade,
sim, a liberdade!
A verdadeira liberdade!
Pensar sem desejos nem convicções.
Ser dono de si mesmo sem influência de romances!
Existir sem Freud nem aeroplanos,
Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço!
A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais
A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida!
Como o luar quando as nuvens abrem
A grande liberdade cristã da minha infância que rezava
Estende de repente sobre a terra inteira o seu manto de prata para mim...
A liberdade, a lucidez, o raciocínio coerente,
A noção jurídica da alma dos outros como humana,
A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez
Gozar os campos sem referência a coisa nenhuma
E beber água como se fosse todos os vinhos do mundo!
Passos todos passinhos de criança...
Sorriso da velha bondosa...
Apertar da mão do amigo [sério?]...
Que vida que tem sido a minha!
Quanto tempo de espera no apeadeiro!
Quanto viver pintado em impresso da vida!
Ah, tenho uma sede sã. Dêem-me a liberdade,
Dêem-ma no púcaro velho de ao pé do pote
Da casa do campo da minha velha infância...
Eu bebia e ele chiava,
Eu era fresco e ele era fresco,
E como eu não tinha nada que me ralasse, era livre.
Que é do púcaro e da inocência?
Que é de quem eu deveria ter sido?
E salvo este desejo de liberdade e de bem e de ar, que é de mim?
Álvaro de Campos, in "Poemas (Inéditos)"
Pensar sem desejos nem convicções.
Ser dono de si mesmo sem influência de romances!
Existir sem Freud nem aeroplanos,
Sem cabarets, nem na alma, sem velocidades, nem no cansaço!
A liberdade do vagar, do pensamento são, do amor às coisas naturais
A liberdade de amar a moral que é preciso dar à vida!
Como o luar quando as nuvens abrem
A grande liberdade cristã da minha infância que rezava
Estende de repente sobre a terra inteira o seu manto de prata para mim...
A liberdade, a lucidez, o raciocínio coerente,
A noção jurídica da alma dos outros como humana,
A alegria de ter estas coisas, e poder outra vez
Gozar os campos sem referência a coisa nenhuma
E beber água como se fosse todos os vinhos do mundo!
Passos todos passinhos de criança...
Sorriso da velha bondosa...
Apertar da mão do amigo [sério?]...
Que vida que tem sido a minha!
Quanto tempo de espera no apeadeiro!
Quanto viver pintado em impresso da vida!
Ah, tenho uma sede sã. Dêem-me a liberdade,
Dêem-ma no púcaro velho de ao pé do pote
Da casa do campo da minha velha infância...
Eu bebia e ele chiava,
Eu era fresco e ele era fresco,
E como eu não tinha nada que me ralasse, era livre.
Que é do púcaro e da inocência?
Que é de quem eu deveria ter sido?
E salvo este desejo de liberdade e de bem e de ar, que é de mim?
Álvaro de Campos, in "Poemas (Inéditos)"
quarta-feira, 1 de abril de 2015
"Longe"- Arnaldo Antunes
“Dizem que a vida é assim
Cinco sentidos em mim
Dentro de um corpo fechado
no vácuo de um quarto no espaço sem fim.”
Dentro de um corpo fechado
no vácuo de um quarto no espaço sem fim.”
domingo, 29 de março de 2015
História do Olho e Minha Mãe - Georges Bataille
“Renuncio a ver-te por muito tempo,
meses, anos talvez. Parece-me que, por esse preço, e separada de ti pela imensa
viagem empreendida, que nesta carta te posso dizer o que, se te falasse de viva
voz, seria intolerável. Sou toda eu aquilo que tu viste. Quando te falei,
preferia morrer do que deixar de ser a teus olhos, perante ti, aquilo que gosto
de ser. Gosto dos prazeres que viste. Amo-os a tal ponto que tu deixarias de
contar para mim se eu não soubesse que tu os amas tão desesperadamente como eu.
Mas é bem pouco dizer como os amo. Sufocaria se me faltasse, mesmo por um
instante, a clareza da verdade que me habita. O prazer é toda a minha vida.
Nunca escolhi, e sei que nada sou sem o prazer em mim, e que tudo aquilo de que
a minha vida é uma espera, não existiria sem o prazer. Seria o universo sem
luz, o caule sem flor, o ser sem vida. O que digo é pretensioso, mas é
sobretudo insignificante ao pé da perturbação que me invade, que me cega, ao
ponto de, perdida nela, já não ver nem saber nada. Ao escrever-te apercebo-me
da impotência das palavras, mas sei que a longo prazo, apesar da sua
impotência, elas te atingirão. Quanto te atingirem, adivinharás aquilo que não
pára de me extasiar, de me extasiar de olhos revirados. O que os insensatos
dizem acerca de Deus não é nada comparado com o grito que uma tão louca verdade
me faz lançar.
Agora, tudo o que no mundo está ligado
nos separa. Não poderíamos doravante encontrar-mos sem desordem e, na desordem,
não devemos encontrar-nos mais. O que te liga a mim, o que me liga a ti, é a
partir de agora intolerável, e encontrarmo-nos separados pela profundidade
daquilo que nos une. Que poderia eu fazer? Chocar-te, destruir-te. Não me
resigno, porém, a calar-me. Destroçar-te-ei, mas vou falar. Porque te arranquei
do meu coração e se a luz algum dia me atingiu, foi por te ter contado o
delírio em que te concebi."
Georges Bataille in: História do Olho
e Minha Mãe.
A Carta de Lorde Chandos
A Carta de Lorde Chandos é um
pequeno grande texto, em que Hugo von Hofmannsthal descreve uma súbita crise de
linguagem experimentada por Lorde Chandos, um jovem poeta que, face a todo um
novo mundo que se abre diante dos seus olhos, repleto de sensações e fenómenos
que o invadem e fazem fervilhar todo o seu ser, dá-se conta da impotência das
palavras, que outrora manejava com desenvolta mestria, para abarcar essa
harmonia transcendente entre o seu interior e o mundo inteiro. Esta Carta é
também um paradoxo: um escritor, para quem as palavras já não possuem
significado nem utilidade, consegue escrever um texto de uma eloquência
simplesmente prodigiosa.
"Senti neste momento, com uma
certeza que não deixou de ser dolorosa, que nem no próximo ano, nem no
seguinte, nem em mais ano nenhum da minha vida, escreverei um livro, quer
latino, quer inglês: e isto por razão estranha e penosa que a infinita superioridade
do seu espírito saberá, com um olhar não obscurecido, situar no lugar que lhe
pertence no reino dos fenómenos corporais e espirituais, aberto harmoniosamente
perante si: quero dizer que a língua em que me seria, talvez, dado não apenas
escrever, mas pensar, não é nem o latim, nem o italiano, nem o espanhol, mas
uma língua de que não conheço uma só palavra, uma língua com que as coisas
mudas me falam e na qual deverei talvez um dia, do fundo da campa,
justificar-me perante um juiz desconhecido."
Hugo von Hofmannsthal, "Carta de Lord Chandos", tradução de Carlos
Leite, Hiena editora, Lisboa, 1990.
Assinar:
Postagens (Atom)