O primeiro canto

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terça-feira, 25 de setembro de 2018
domingo, 23 de setembro de 2018
tu risa
todo es silencio
y no hay atajos
todo está lejos
y no hay caminos
todo es hermoso
y no hay palabras
todo es terrible
y no hay dolor
todo es oscuro
y no hay el fuego
todo es tu risa
y no hay el tiempo
todo es la nada
y no hay océano
todo es Dios
y no hay futuro
todo es oscuro
y no hay palabras
todo es tu risa
y no hay el tiempo
- Buceo Invisible-
- Buceo Invisible-
terça-feira, 18 de setembro de 2018
"Dura lex, sed lex!"
A Tragédia Antígona
Reinério Simões
A tragédia Antígona discute o conflito
entre o Direito Natural – o Direito considerado pelos antigos como sendo de
origem divina e aceito ipso facto como costumeiro ou consuetudinário – e o
Direito que toma forma jurídica nas leis estabelecidas pelo governante,
tradicionalmente denominado Direito Positivo.
A narrativa de Sófocles segue a tradição
mitológica. Após a desgraça de Édipo, seus dois filhos, Etéocles e Polinice
disputam a posse do trono. Trava-se a luta, perecendo no mesmo dia os dois
irmãos, ambos mortalmente feridos no duelo que travaram. Creonte, impondo-se
então como tirano de Tebas, resolve prestar honras fúnebres a Etéocles, ao
passo que proíbe, sob pena de morte, que se dê sepultura ao corpo de Polinice,
para que fique exposto às aves carniceiras aquele que recorreu à aliança com os
Argivos (povo inimigo) para conquistar o poder em sua terra.
Antígona, exemplo de amor fraternal,
resolve expor-se ao perigo, e, contrariando o decreto do tirano, presta ao
infeliz Polinice, seu irmão, o piedoso serviço das honras e dos rituais
funerários, sob o risco de ser condenada à morte pela transgressão. Quando
interrogada por Creonte, que se considera duplamente afrontado pelo desrespeito
a uma lei em vigor e pela atitude criminosa vir de uma mulher, Antígona
responde:
"Sim, porque não foi Júpiter que a
promulgou; e a Justiça, a deusa que habita com as divindades subterrâneas,
jamais estabeleceu tal decreto entre os humanos; nem eu creio que teu édito
tenha força bastante para conferir a um mortal o poder de infringir as leis
divinas, que nunca foram escritas, mas são irrevogáveis; não existem a partir
de ontem, ou de hoje; são eternas sim! E ninguém sabe desde quando vigoram!
Tais decretos, eu, que não temo o poder de homem algum, posso violar sem que
por isso me venham punir os deuses! Que vou morrer, eu bem sei; é inevitável; e
morreria mesmo sem a tua proclamação." (p. 227/228)
Na opinião de muitos esta passagem
contém os mais belos versos de Sófocles. Antígona afronta, destemerosa, o poder
e a cólera do próprio rei. Ao desobedecer ao decreto e ainda se alegrar com o
ato, Antígone argumenta que os deuses exigem que se apliquem os mesmos ritos a
todos os mortais. E ao ouvir de Creonte que nunca um inimigo lhe será querido,
mesmo após a sua morte, profere a bela frase: "Eu não nasci
para partilhar de ódio, mas somente de amor!"
(p. 233)
Em diversas passagens, Creonte
representa a tese do juspositivismo referente à identidade entre Direito e
mandatos, como no positivismo jurídico normativo e legalista: os termos Lei e
Direito são essencialmente equivalentes; em consequência, a lei que se
manifesta injusta constitui Direito formal e não carece de validade. Veja-se
este trecho: "Quem, por orgulho e arrogância, queira violar a
lei, e sobrepor-se aos que governam, nunca merecem meus encômios. O homem que a
cidade escolheu para chefe deve ser obedecido em tudo, quer seus atos pareçam
justos, quer não." (p. 243)
Quando surge em cena Hémon, filho de
Creonte e noivo de Antígona, a suplicar pela vida de sua amada, trava-se o
seguinte diálogo:
"Hémon – Ouve: não há Estado algum que
pertença a um único homem!
Creonte – Não pertence a cidade, então, a
seu governante?
Hémon – Só num país inteiramente deserto
terias o direito de governar sozinho!
Creonte – Bem se percebe que ele se tornou aliado dessa mulher!
Creonte – Bem se percebe que ele se tornou aliado dessa mulher!
Hémon – Só se tu te supões mulher, porque é
pensando em ti que assim falo.
Creonte – Miserável! Por que te mostras em
desacordo com teu pai?
Hémon – Por que te vejo renegar os ditames
da Justiça!
Creonte – Por acaso eu a ofendo, sustentando
minha autoridade?
Hémon – Mas tu não a sustentas calcando aos
pés os preceitos que emanam dos deuses!" (p. 247/248)
Até mesmo o Corifeu revolta-se contra a
lei do governante e não pode conter suas lágrimas ao ver Antígone dirigindo-se
ao túmulo. Reconhece a ação piedosa de prestar culto aos mortos, mas quem
exerce o poder não pode consentir em ser desobedecido: "tu
ofendeste a autoridade" (p. 255), diz ele.
O crime de Antígona foi obedecer aos
ditames da "lei divina", que prescreve o sepultamento digno ao
cadáver, principalmente quando se trata de um irmão de sangue. Mas ao cumprir a
"lei natural" (jus naturae), desobedeceu à norma legal instituída
pelos homens, ao Direito posto (jus positum) – ou melhor, imposto - pelo governante.
A questão não é, neste momento, discutir
os fundamentos do Direito, quer em seus princípios jusnaturalistas, quer em
suas bases juspositivistas. A tragédia Antígona já antevê, através do gênio de
Sófocles, o antagonismo entre Lei e Justiça e o problema da vigência das leis
injustas. Os adeptos do positivismo jurídico mais radical não aceitam o
problema, pois o valor não é objeto da pesquisa jurídica. O ato de justiça
consiste na aplicação da regra ao caso concreto. Não pode haver influência de
elementos extra legem na definição do Direito Objetivo. Daí o puro legalismo ou
o codicismo. Já os partidários do Direito Natural se identificam com os
imperativos do justo, quando, sem desprezar o sistema de legalidade, refletem
na instância ética que transcende a ordem positiva e ocupam-se com juízos de
valor. O jusnaturalismo refere-se a uma ordem jurídica ideal, no sentido de
relacionar Moral e Direito e de buscar nos princípios éticos e/ou
antropológicos a fundamentação do Direito.
O princípio do Direito Natural é jus
quia justum: o direito é o que é justo. Como lema, prefere-se até mesmo a
desordem ou a ilegalidade do que a injustiça: Pereat mundus, fiat justitia!
Para o defensores do positivismo jurídico, o princípio é jus quia jussum: o
direito é o que é ordenado enquanto direito. Como lema, os juspositivistas
preferem a injustiça à desordem ou ilegalidade: Dura lex, sed lex!
Responda: quem cometeu algum crime:
Antígona ou Creonte? Ou de outro modo: qual a fonte ou fundamento jurídico para
considerar crime o ato fraternal, respeitoso e costumeiro de Antígona? Qual a
fonte ou fundamento do poder legiferante de Creonte? O que equivale a
perguntar: qual a legitimidade do poder político e do Estado? Responder a estas
e a várias outras questões decorrentes da leitura da tragédia Antígona é um
excelente exercício de compreensão crítico-sistemática do Direito, ou seja, uma
boa maneira de principiar a prática da reflexão crítica em Filosofia do
Direito.
Bibliografia
BOBBIO, Norberto. O Positivismo
Jurídico. Lições de Filosofia do Direito. São Paulo: Ícone, 1995.
GUIMARÃES, Ylves José de Miranda.
Direito Natural. Visão Metafísica e Antropológica. Rio de janeiro: Forense
Universitária, 1991.
HERVADA, Javier. Crítica Introdutória ao
Direito Natural. Porto: Resjurídica, sem data.
KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e
do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1995.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. Rio
de Janeiro: Saraiva, 1999.
SÓFOCLES. Antígone. Rio de Janeiro:
Edições de Ouro, sem data.
segunda-feira, 17 de setembro de 2018
Tico – Tico, de Camilo de Lélis
Um
tico-tico estufa as penas, inchado de preguiça, e gorjeia seu canto miúdo ao
sol das duas horas da tarde. Marcos Agostinho estrebucha, agonizando à beira da
estrada. Fora tocaiado ao meio dia, a mando do coronel Jorjão. Nem uma viva
alma para rezar um credo e ouvir sua última confissão. Bem que ele queria,
naquele transe, ter uma mão amiga segurando na sua. A hora dele tinha chegado,
e o caboclo tentava lembrar de alguma oração por inteiro. Porém, o passarinho
de topete preto pulava, pra lá e pra cá, no ramo do Maricá empoeirado, roubando
o fiapinho de atenção, que ele tanto precisava pra rezar.
- Que diabo de tico-tico bonitinho, só falta mesmo falar. Pois, faça o favor de me escutar, seu peralta. Ouça-me o pensamento, que em pensamento nem preciso falar, só imaginar, e, isso, você pode bem entender.
Desde criança que Agostinho tinha certas manias esquisitas, que o faziam passar por doido. A vizinhança da viúva, sua mãe, lhe apontava: "Lá está o Gostinho, falando com a formigas cortadeiras, como se elas fossem gente, dona Anacleta, esse menino precisa de um doutor!"
- Você que tem asinhas ligeiras, senhorzinho, podia ir até a casa de Iracema e bater lá na janela dela, não podia?
O pássaro saltou para um galho mais perto do homem que agonizava e ficou paradinho, parece até que compreendia. A respiração de Agostinho era curta, quase que só no começo da garganta. Tinha muita bala dentro do corpo. Uma porção.
- Então, meu pequeno, veja se tem lembrança, que nunca atirei de bodoque em nenhum dos teus parentes. Nos passarões sim, muitas vezes.
Mesmo quando moleque era mais por necessidade do que por divertimento, que ele ia à caça. Era só pra ajuntar uma carnezinha magra, na hora da bóia - sempre um feijão aguado, um arroz minguado -, a alguma folha de almeirão do mato, que sua mãe colhia, aqui e ali, na beira da estrada.
- Que diabo de tico-tico bonitinho, só falta mesmo falar. Pois, faça o favor de me escutar, seu peralta. Ouça-me o pensamento, que em pensamento nem preciso falar, só imaginar, e, isso, você pode bem entender.
Desde criança que Agostinho tinha certas manias esquisitas, que o faziam passar por doido. A vizinhança da viúva, sua mãe, lhe apontava: "Lá está o Gostinho, falando com a formigas cortadeiras, como se elas fossem gente, dona Anacleta, esse menino precisa de um doutor!"
- Você que tem asinhas ligeiras, senhorzinho, podia ir até a casa de Iracema e bater lá na janela dela, não podia?
O pássaro saltou para um galho mais perto do homem que agonizava e ficou paradinho, parece até que compreendia. A respiração de Agostinho era curta, quase que só no começo da garganta. Tinha muita bala dentro do corpo. Uma porção.
- Então, meu pequeno, veja se tem lembrança, que nunca atirei de bodoque em nenhum dos teus parentes. Nos passarões sim, muitas vezes.
Mesmo quando moleque era mais por necessidade do que por divertimento, que ele ia à caça. Era só pra ajuntar uma carnezinha magra, na hora da bóia - sempre um feijão aguado, um arroz minguado -, a alguma folha de almeirão do mato, que sua mãe colhia, aqui e ali, na beira da estrada.
- Já que Deus te mandou pra me fazer companhia
nessa passagem braba, passarozinho, leve no teu bico um pouco do meu sangue pra
minha noiva. Deixe lá na vidraça da janela, só um pingo vermelho, bem
pequenino, que ela vai saber que sou eu quem tá te enviando. Diga pra ela pegar
as roupas do enxoval e arribar pra cidade grande. Se ela ficar aqui, o malvado
vai ter a presa ao alcance da mão. Vai acontecer bem assim. Primeiramente, vai
ter um banzé de polícia e investigação fingida, quando acharem meu corpo caído,
sem vida, aqui nesta posição. Então, vêm as perguntas. Ela não pode dizer nada,
muito menos que o coronel Jorjão, andava querendo lhe pegar na marra, sem
respeitar noivado, nem futuro casamento. É melhor que ela se faça de sonsa, pra
não levantar suspeita. Por uns dois ou três dias vão deixar ela em paz, é o
tempo que ela tem. Ela tem de ir pra rodoviária na madrugada, e se picar pra
capital. Tem lá a tia dela, não tem? Pois, então, ela vai. Lá ela faz rezar uma
missa, pra que Deus me tire do purgatório, pelo amor da Virgem Santa. Depois,
aos bocadinhos, que trate de me esquecer. Que cuide da vida, que agora vai ser
só dela. Eu, também, me despeço pra sempre, pois - do outro lado - de que me
adianta recordar...
Fizera papel de homem. Foi tirar satisfação com o coronel, na frente da família dele pra quem Iracema cozinhava. Ela não queria que ele fosse, mas foi, e não se arrepende. É como acontecia quando derrubava, com uma pedra certeira, uma pomba do mato. Não pensava no acontecido. Destino. Está feito. É Deus quem põe, e o diabo quem dispõe, e se acabou.
Fizera papel de homem. Foi tirar satisfação com o coronel, na frente da família dele pra quem Iracema cozinhava. Ela não queria que ele fosse, mas foi, e não se arrepende. É como acontecia quando derrubava, com uma pedra certeira, uma pomba do mato. Não pensava no acontecido. Destino. Está feito. É Deus quem põe, e o diabo quem dispõe, e se acabou.
Sobre o Autor:
Camilo de
Lélis - é diretor de teatro. Seus trabalhos foram vistos em circulação por
quase todo Brasil. No exterior, destacam-se apresentações em Montevidéu (em
1996 e 2001, respectivamente) e em Buenos Aires (1997). Apresentou-se na
Alemanha (Munique) em 1998 e em Portugal (Coimbra) em 2003. Em 2006, as
encenações de Camilo de Lélis foram objeto da monografia "Carnaval, Encenação
e Teatro Gaúcho", premiada no Concurso Nacional de Monografias Gerd
Bornheim, promovido pela Secretaria Municipal de Cultura de Porto Alegre.
Camilo de Lélis também escreve contos, crônicas e poemas, além de críticas e
ensaios sobre Teatro.
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