O primeiro canto

O primeiro canto

terça-feira, 4 de dezembro de 2018

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Anton Semenov
“Não existe desespero tão absoluto quanto aquele que surge nos primeiros momentos de nosso primeiro grande sofrimento, quando não conhecemos ainda o que é ter sofrido e ser curado, ter se desesperado e recuperado a esperança.” George Eliot

Tresloucada Firmina

Anton Semenov 

Firmina andava mal naquela manhã de primavera. De um lado a outro, passeava com seu contaminado espírito. Não sabia em absoluto o diagnóstico do mal que a afligia.
Diziam que respirara a fala de um moribundo e agora padecia de enigmática enfermidade. No entanto, sentia-se melhor quando bebia romantismo alemão, mas os ingleses também consolavam sua vida.
Alguém recomendou qualquer leitura que abarcasse o existencialismo. Doses fortes, todos os dias. Mas a louca já bebia da existência... De Profundis.
Nalguns momentos, a mulher tentava escrever. Contudo, desaguar incoerências pelas pontas dos dedos, não era lugar de queda - apesar do desejo.
Desabava, isso sim, por horas, na leitura da vida de personagens com alma - literatura, vício demoníaco, que abraçava seu corpo como um câncer. A criatura também passava seus dias lembrando-se de pessoas, momentos vividos... .
Parecia um fantasma, a vaguear ausência de coesão e excesso de denotação. Falando alto, chorando silêncios. Calando o que precisava ser dito. Pensando nas palavras ouvidas, ou omitidas  - sintomas de um peito corrompido, uma mente doente.
Tresloucada Firmina, pensava que a finitude era a dor mais poderosa. Pobre criatura, a viver no inferno nostálgico da existência. Desejando o impossível. Sentindo paixões nunca correspondidas. Insistindo num caminho de frustrações...
Escrava do crepúsculo, maldição!

domingo, 2 de dezembro de 2018

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“Qualquer árvore que queira tocar os céus, precisa ter raízes
 tão profundas a ponto de tocar os infernos...”

Carl G. Jung

The Hobbit - The Last Goodbye



Do meu lado esquerdo, há um Urso de alma gigante!

É preciso imaginação para compreender essa história. Então, por favor, descanse. Escute  a minha voz, velha e cansada. Vamos, sente-se desse outro lado, perto da fogueira.

Feche os olhos e imagine uma grande floresta... 
Uma floresta antiga, com árvores de todos os tamanhos. Sinta o vento...  Ouça as águas do rio. Aprecie o canto dos pássaros. 
O sol brilha forte, mas no meio da floresta, há muita sombra e uma temperatura agradável.
Nessa grande e antiga floresta, moram vários bichos. Um deles, o urso. Não um urso qualquer. Aquele urso era diferente. Era um urso grande, muito grande... Dizem que quanto maior a alma de um bicho, maior é o tamanho dele. Então aquele urso foi o maior que já vi em toda a minha vida. Assim que o vi, senti que não corria risco. Estava segura. Percebi que aquele bicho carregava a marca de uma sabedoria milenar, cheia de suavidade e força. Um dia você vai entender...  é preciso manter os olhos atentos para ter certeza quando um animal selvagem pode nos ameaçar, ou quando um encontro assim pode ser o começo de uma vida completamente diferente, uma vida de aventuras e de descobertas. Uma, que faz valer todo o caminho, pois existem encontros que dão sentido a tudo o que vivemos até então. Contudo, é preciso coragem e ousadia para conseguir se aproximar. 
A distância que nos separava não era tão grande. Foi uma surpresa encontrar um bicho daqueles ali, num lugar já conhecido. Ele simplesmente apareceu no meu caminho. 
Senti, não sei como, puro instinto, ou destino..., que deveria seguir os rastros daquele animal. Percebi que ele sabia que eu o estava seguindo. Pensei que ele poderia reagir mal, mas ele pareceu mostrar que isso não o incomodava. E toda vez que eu sentia vontade de parar, ele agia como se quisesse que eu continuasse. E eu continuei... Até chegar perto, tão perto, que poderia tocar os seus pelos e o seu grande corpo selvagem. Vi algumas marcas, que só poderiam ser das guerras que aquele grande animal já lutou. Talvez tenham sido as guerras, plurais e singulares, e tudo o que ele enfrentou, que o fez ter a alma que tem. Uma alma selvagem, guerreira. Ao mesmo tempo, uma alma cheia de sabedoria e mansidão. Nunca vou esquecer os olhos dele... o jeito dele olhar. A minha pele carrega a lembrança do toque na maciez de seus pelos. E mesmo que alguém ouse considerar aquele encontro tão efêmero quanto uma estrela cadente cruzando o céu, eu sei que não foi. Na verdade, era como se já nos conhecêssemos de longas datas. As nossas almas se reencontraram. A nossa natureza selvagem sabia que estava em casa...

(...)

Já se passaram muitas e longas estações, nunca mais o vi. Entretanto, acredito que ele continua em algum lugar dessa floresta. Sinto isso! E sei que enquanto eu respirar, ele vai continuar comigo, em minhas lembranças.  


Agora, abra os olhos bem devagar...
Veja, se olhar bem, se conseguir enxergar, vai perceber... do meu lado esquerdo, há um Urso de alma gigante! 

sábado, 1 de dezembro de 2018

Ára Bátur - Sigur Rós


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"Os cães ladram, Sancho! É sinal de que estamos avançando." 

Dom Quixote - Cervantes