O primeiro canto

O primeiro canto

terça-feira, 11 de dezembro de 2018

"Somos um breve pulsar em um silêncio antigo com a idade do céu..."


No rastro da Lua cheia...


Livros e Livrarias


A triste despedida das livrarias 

POR MARCOS LISBOA
(Presidente do Insper)

A casa da minha infância parecia-me interminável. Quadros e esculturas esparramavam-se pelas paredes e pelo chão. 
As pinturas dos amigos dos meus tios conviviam com surpresas em cada canto, da fotografia de um garoto segurando o bico de um ganso a um presépio de madeira que comovia pela brutalidade.
O corredor e o escritório, por sua vez, eram dominados por incontáveis livros de cima a baixo. Havia um pouco de tudo, das tragédias gregas aos livros que perverteram a geração anterior, como os romances de Joyce e Dostoiévski.
Aqui e acolá, alguns escritores brasileiros, como Graciliano e Guimarães.
Criança, deitava-me no chão do corredor, acolhido no meio da tarde pelos livros desorganizadamente deitados nas prateleiras, preferindo os contos de Borges.
Foi minha madrinha que me revelou o incrível universo paralelo das livrarias. Deu-me de presente, talvez aos 12 anos, crédito para adquirir livros na mágica Leonardo Da Vinci, no centro do Rio, e suas estantes intermináveis.
As livrarias tornaram-se o meu mosteiro. É para lá que vou depois de uma reunião incômoda ou qualquer outra razão que me tenha atravessado o dia. Escolher um livro é flertar uma amizade. Há a conversa de salão das orelhas e da contracapa, mas relações profundas requerem o convívio das páginas, muitas vezes decepcionante. Eventualmente, porém, somos iluminados por descobertas sublimes.
As religiões apenas prometem a verdade sobre o nosso cotidiano e o além, enquanto alguns livros despejam um novo universo. Dos criadores prefiro, desde a infância, aqueles que utilizam máquinas de escrever.
Jovem adulto, achava que as igrejas iriam desaparecer oprimidas pela contagiante liberdade permitida aos livros e às escolhas individuais. Os diversos deuses e suas muitas certezas cansavam-me pela sua intolerância em meio à pretensa poesia dominada por mau português.
As minhas divindades eram Beckett e Tchekhov e os meus demônios incluíam Celine, cercados pela sátira paranoica de Pynchon ou pelo encanto de Bulgákov. A leitura irresponsável permite meu afeto por Vonnegut Jr., afinal as livrarias defendem, inclusive, a maior das ofensas, o prazer com a literatura de segunda.
Na minha sacristia pagã há Natsume Soseki e seus filhos japoneses melancólicos, em meio à prosa impecável de Coetzee e à imperfeita de Philip Roth.
Há, sobretudo, a elegia de Machado à culpa interminável sobre o amor talvez destruído pelo ciúme doentio. O meu Adão há muito tem sido Dom Casmurro.
Segundo os crentes, Deus pode muito, inclusive nos permitir assistir à nossa própria morte. Aos poucos, melancolicamente, vão-se as livrarias.
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sábado, 8 de dezembro de 2018

A fragilidade humana em “Varðeldur” do Sigur Rós



A Verdade do Poeta

[...]


Sonhar é fazer sorrir
A lágrima mais dolorosa
E os pesadelos, despir
Para depois os vestir
De mil sonhos cor-de-rosa
É fazer o sol brilhar
Na noite mais tenebrosa
Por a tristeza a cantar
E devolver ao olhar
Aquela luz preciosa
É roubar ao pôr-do-sol
Um raio de luz derradeiro
E fazer dele um farol
Que ilumine o mundo inteiro.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

"...de la primavera invencible"


A TODOS, a vosotros,
los silenciosos seres de la noche
que tomaron mi mano en las tinieblas, a vosotros,
lámparas
de la luz inmortal, líneas de estrella,
pan de las vidas, hermanos secretos,
a todos, a vosotros,
digo: no hay gracias,
nada podrá llenar las copas
de la pureza,
nada puede
contener todo el sol en las banderas
de la primavera invencible,
como vuestras calladas dignidades.
Solamente
pienso
que he sido tal vez digno de tanta
sencillez, de flor tan pura,
que tal vez soy vosotros, eso mismo,
esa miga de tierra, harina y canto,
ese amasijo natural que sabe
de dónde sale y dónde pertenece.
No soy una campana de tan lejos,
ni un cristal enterrado tan profundo
que tú no puedas descifrar, soy sólo
pueblo, puerta escondida, pan oscuro,
y cuando me recibes, te recibes
a ti mismo, a ese huésped
tantas veces golpeado
y tantas veces
renacido.
A todo, a todos,
a cuantos no conozco, a cuantos nunca
oyeron este nombre, a los que viven
a lo largo de nuestros largos ríos,
al pie de los volcanes, a la sombra
sulfúrica del cobre, a pescadores y labriegos,
a indios azules en la orilla
de lagos centelleantes como vidrios,
al zapatero que a esta hora interroga
clavando el cuero con antiguas manos,
a ti, al que sin saberlo me ha esperado,
yo pertenezco y reconozco y canto.

Pablo Neruda