[2] Cf. DELEUZE, Gilles. GUATTARI, Félix. O que é filosofia? 3 ed. Trad. Bento Prado Jr. São Paulo: Editora 34, 2010. (p. 08).
[3] Cf SEVERINO, Antônio Joaquim. Educação, sujeito e história. 3 ed. São Paulo: Olho d’água, 2012. (p. 41).
"Aqui não há ódio. O ódio não nos motiva.
Nosso testemunho integra-se ao espírito da dignidade. Um antigo provérbio diz: 'Qem se lembrar do passado tem que
perder um olho. Quem o esquecer, os dois'. Move-nos, a todos, o sentimento desesperado de que as bestas permaneçam em suas
tocas, para que no Uruguai de Todos (também deles, em seus respectivos lugares)
seja hasteada a seguinte bandeira: NUNCA
MAIS."
***
O testemunho desses homens, sem o ódio que seria compreensível, é validado pela
vida que viveram depois da libertação dos calabouços. Compromisso com os ideais
que orientaram e guiam suas vidas. Tiveram que resistir aos sofrimentos do
corpo e da alma. Tiveram que enfrentar fantasmas... Suportaram anos de tortura,
isolamento e situações que muitos não conseguiram suportar. E nem por isso são
melhores. O olhar de solidariedade aos que sucumbiram é uma marca da capacidade
que temos de compreender a humanidade que há em nós. No caso deles, a
capacidade de analisar inclusive o contexto social, psicológico, de seus
algozes.
"Uma noite de 12 anos" foi
baseado nesse livro. O filme em si é capaz de mostrar o horror que esses homens
viveram. O amargo tempo de quase desesperança. Ainda assim, o livro nos revela
que o inferno foi mais profundo. Não obstante, através de suas vidas, aprendemos que é possível experimentar
humilhações brutais e, apesar disso, podemos (precisamos!) recrutar
internamente a força necessária para que isso não nos destrua.
Por fim, outra grande lição, a maior inspiração que esses testemunhos carregam,
é de que:
"Quando tudo, tudo
é hostil e mesmo quando querem entrar em sua consciência, com as unhas sujas, o
refugio dentro de si mesmo é uma conquista. Dia a dia é necessário lutar."
"Porque um dos princípios que tínhamos era resistir, mas resistir com
dignidade."
De todas as estações, o Outono é o tempo em que a minha alma se sente em casa. É também a estação do teu nascimento. Um tempo de profundas mudanças.
Muitas dessas palavras já estão embotadas pelo
tempo, ainda assim preciso te dizer cada uma delas.
O mundo não é um lugar fácil. A vida não é fácil,
mas compartilhá-la contigo deixa mais leve todo o peso que existe. É tão bom te
conhecer e conviver com esse teu sorriso. Esse teu jeito forte e suave. Um
contraste encantador!
Contigo me sinto bem para ser quem sou - vulnerável,
caótica, limitada. Aprendiz!
A nossa relação não tem espaço para a perfeição.
Tem espaço para carinho, abraços e beijos. Para exigências; desculpas; por
favor; obrigada! Tem espaço para as fronteiras, assim como para muita
reflexão e novas tentativas. Preocupo-me com as palavras e o meu jeito de lidar
com a vida. Preciso levar a sério as palavras, pois é meu desejo que possas
utilizá-las de modo adequado. Fale o que te incomodar, exponha o pensamento. No
entanto, lembre-se: o som do silêncio acalma a alma.
Desejo tantas coisas pra ti. E prometo que enquanto
estiver ao teu lado, vou fazer o possível para realizar esses desejos.
Dos muitos anseios, o mais forte é que possas ter
certeza de que dentro de ti existe uma força capaz de te fazer superar as
dificuldades. No entanto, é necessário ter paciência, respirar, manter a calma e
contar com pessoas de confiança. Na dúvida, leia e releia o poema de Maya
Angelou: “Ainda assim eu me levanto” – sinta (absorva!) o poder
desse grito de força e resistência.
Viva muito! E compreenda que os livros podem
contribuir para o autoconhecimento, assim como conhecer mais das pessoas e do
mundo. LEIA! LEIA! Leia o máximo possível. Apaixone-se por bons livros. Pois
com a leitura, nunca estamos verdadeiramente sozinhas. Nunca esqueça:
literatura salva! Trabalhe, seja independente. Tenha uma vida simples e cheia
de pequenos contentamentos. Observe o céu! Lá, os pássaros voam. Também é o
lugar das nuvens, do sol, da lua. Contemple a lua - o ciclo lunar é um sopro de
vida; seus mistérios e simbologias dão um toque de encantamento para tudo o que
existe. Não esqueças, somos mulheres enluaradas. Olhe sempre para o céu
noturno, o mar de estrelas.
Estude, escute boas músicas. Dance.
Cante. Toque a terra. Regue as plantas. Perceba quando é tempo de morrer e
de viver. Compreenda esse mistério.
Seja responsável por ti. Não responsabilize ninguém
por tuas escolhas. Se não faz bem, tenha coragem de mudar. Transforme-se!
Tenha boas amizades - enxergue o quanto isso é
valioso e benéfico. Os amigos ajudam a suportar o peso e a leveza da
vida.
Olhe nos olhos. Aprecie a beleza de ouvir uma voz
que fala com honestidade.
Respeite as pessoas. Discorde quando for
necessário. E quando errar, reconheça. Peça desculpas - contudo, só faça isso se
for sin.ce.ro. Afaste-se se isso for importante.
Perdoe a si e tente perdoar aos demais. Seja boa
com você. Conheça seus limites e respeite quem você é.
Compreenda que toda relação saudável é uma soma. Reciprocidade.
Seja verdadeira consigo e com as pessoas. Ame a si mesma! E não esqueça: o alimento do amor é a liberdade. Deixe ir quem não quer ficar. Vá você também, se for da tua vontade.
Lembre-se do quanto és amada e respeitada.
Sinta-se bem com o teu corpo. Aceite as mudanças
que o tempo provoca. Goste da tua feição, da pele que habita. Cuide da saúde,
porém, leve em consideração que saúde não é ausência de doença. Alimente-se com
comidas saudáveis. Beba chá! Beba muita água.
Não faças da tua vida um espetáculo. Seja discreta.
Não te preocupes com as folhas, cuide bem das raízes. Não é qualquer vento que
derruba uma árvore de raiz profunda. Pense nisso - é uma analogia que faz bem.
Viva e deixe viver!
Mesmo reconhecendo que a vida não é fácil (e que
haverá muito sofrimento, pois todos nós sofremos), MANTENHA A ESPERANÇA! Por
favor, meu Outono, cultive-a! Sem esperança, não conseguimos continuar. Como
diz Raymond Williams: “Ser verdadeiramente radical é tornar
a esperança possível e não o desespero convincente.” Entretanto,
a esperança não poder ser cega. Falo em esperança no sentido de comunidade – de
fé em si, mas nunca esquecendo o seu lugar no mundo e da coletividade desse
mundo. Ninguém é uma ilha! Lute ao lado das mulheres e homens que lutam por
justiça - junte-se aos que resistem e ousam forjar um mundo diferente.
Não te esqueças, todos nós estamos a caminho do
poente de nossas vidas. E enquanto a morte não existir: VIVA!
Ame a natureza. Cultive plantas! Aprecie o calor
que o sol nos faz sentir. Perceba a chuva como uma dádiva. Sinta o vento bater
no teu rosto. Escute as ondas do mar. Veja, sinta, ENXERGUE a vida com
admiração. Inspire, respire e expire. E não te esqueças do ensinamento do
romantismo alemão: O caminho do mistério aponta para dentro.
É MUITO saudável escutar a tua voz, sentir o teu
abraço. Isso me faz sentir muita gratidão. Obrigada sempre, sempre! Obrigada
por fazer parte de quem sou.
O nosso amor persistirá!
Por fim, se algum dia o desespero for muito grande,
respira e repita: Isso também vai passar! E nunca esqueça: Ainda assim eu me
levanto!
Meu amor, meu Outono de todas as estações.
“A Idade Madura”,
de Camille Claudel, é uma escultura marcada pela imagem de uma mulher que
suplica, de joelhos, nua, que o amado fique com ela. O homem representa Rodin,
que é afastado pelos braços de outra mulher. Uma escultura autobiográfica, que
escancara os tormentos que a artista padecia. Uma história que dilacerou sua
vida, levando-a a perder o controle, transformando uma mulher talentosa num
fantasma de si. Essa imagem foi marcante enquanto lia esse livro. No lugar de
Claudel, Antonio Dorigo. Um homem alucinado, desgraçadamente apaixonado. Alguém
que implora, que se sujeita e que aceita situações ultrajantes. Tudo isso em nome
de algo que ele chama de amor.
O
livro nos faz refletir sobre muitas coisas, e é preciso não ter testemunhado
situações similares (ainda que apenas sutil), para considerarmos essas pessoas,
que parecem acometidas de grave doença, como meramente estúpidas. A paixão pode
ter um efeito desorientador. Em alguns casos, devasta a pessoa apaixonada. Algo
representado em várias mitologias e, para infortúnio de quem ama, em grande medida,
comum.
Segundo
Platão, só amamos o que desejamos e só desejamos aquilo que nos falta. Em
outras palavras, a falta desperta o desejo... e, segundo o filósofo, amamos o
que nos interessa, o que desejamos. E por causa da falta, idealizamos aquilo
que não temos. Em resumo, a isto chamamos de amor platônico.
Talvez
essa seja uma forma de entender o amor que Antonio Dorigo sente por Laide,
jovem prostituta que despertou nele muita paixão. A grandiosidade do livro é
acompanhar como isso acontece. Além disso, também devemos levar em consideração
a capacidade imaginativa que Dorigo tem. Os conflitos internos são grandiosos.
Um exemplo de quem experimenta a tormenta da paixão e se questiona. Como disse
o apaixonado: “O amor é uma doença,
horrível”. Neste caso, muitos filósofos do período helenístico iriam
concordar. Inclusive a palavra paixão vem de pathos (doença, sofrimento) donde deriva patologia. Incontestável
que esse olhar filosófico é apenas um, entre tantos. De todo modo, parece uma
forma de entendermos Antonio Dorigo, homem maduro, com complexo de inferioridade,
que não consegue se relacionar bem com as mulheres - o que o faz capitalizar as
relações, evitando os desgastes e possíveis rejeições.
Dino Buzzati consegue nos apresentar, através de uma estória de amor frustrado, circunstâncias árduas, em que solidão, ansiedade, obsessão, são alguns dos dilemas enfrentados pelo protagonista. Isso tudo atravessado por reflexões existenciais. Num intenso fluxo de pensamentos e numa linguagem cheia de teor poético. Além disso, um livro intrigante, uma estória cheia de histórias. Em algumas partes, serve como uma espécie de espelho. Até que ponto é possível suportar situações inaceitáveis em nome de um interesse dominado pela paixão? Dorigo aceita muita coisa... Contudo, o livro não é maniqueísta. Há espaço para questionarmos as nuances do comportamento do apaixonado. Neste sentido, Jung dizia que existe em nós algo que não aceitamos, que não reconhecemos, que tentamos esquecer. A isso, ele chamou de “Sombra”. Se não enxergamos a nossa própria sombra, tendemos a nos perceber pessoas melhores e mais coerentes do que de fato somos.
Enterre seus mortos é um livro incômodo.
Entretanto, diga-se de passagem, necessário. Faz-nos
refletir sobre como tratamos os nossos mortos. Não falo dos mortos queridos,
os que nos são caros. Refiro-me aos "esquecidos", os que não têm
alguém que reclame seus corpos - neste sentido, a reflexão abarca a dimensão do
papel do Estado, a falta de recursos humanos e materiais para lidar com essa
questão. Ou, como diz um personagem, o Sargento Américo: “Estamos falidos. Não damos conta nem dos mortos”.
O protagonista, Edgar Wilson, presente
em outros livros da escritora, é um homem simples, cercado pela morte (ele se
sente à vontade em meio ao pútrido), introspectivo, do tipo de pessoa que
escuta mais e fala menos. De certo modo, alguém que poderíamos comparar aos
abutres - pois, assim como essas aves, ele sobrevive graças aos que morrem.
Contudo, sobre os mortos, pessoas ou animais, Edgar Wilson considera a importância
de enterrá-los. Para ele, “não existe
sentimento de desprezo maior do que abandonar um morto, deixá-lo ao relento, às
aves carniceiras, à vista alheia”. Inclusive, talvez esse seja o seu maior
medo. Ainda sobre os abutres, ave representada na capa do livro, chama a
atenção uma observação que concordo muitíssimo: “É bonito o voo dos abutres”. De fato, é muito bonito - embora sejam, reconhecidamente, aves que
indicam a morte, admirá-las é prazeroso, acalma. Neste sentido, “a morte e o
sagrado estão sempre juntos”.
Outro ponto de destaque é o modo como é
tratada a questão religiosa. O sarcasmo faz muita diferença - ainda que seja
apavorante. É perspicaz o olhar que nos é apresentado sobre este assunto. Numa
situação de esquecimento do Estado, de pobreza e alienação, muitas vezes o que
sobra é a “dependência da força divina”.
Uma teologia antiga, baseada na culpa, no medo e na ganância. Alguns diriam: “tão
medieval”. Mas, como diria o velho barbudo, a história se repete... Primeiro
como tragédia, depois como farsa.
Por fim, um livro que precisa ser lido com atenção. Do contrário, corre-se o
risco de sentir apenas repulsa, certo embrulho no estômago, e isso pode
comprometer a possibilidade de uma boa reflexão e de percebermos que a
literatura é, também, uma forma de entendermos o mundo e, a partir desse
entendimento, tentarmos modificá-lo.