O primeiro canto

O primeiro canto

domingo, 21 de fevereiro de 2021

Um amor - Dino Buzzati

 


“A Idade Madura”, de Camille Claudel, é uma escultura marcada pela imagem de uma mulher que suplica, de joelhos, nua, que o amado fique com ela. O homem representa Rodin, que é afastado pelos braços de outra mulher. Uma escultura autobiográfica, que escancara os tormentos que a artista padecia. Uma história que dilacerou sua vida, levando-a a perder o controle, transformando uma mulher talentosa num fantasma de si. Essa imagem foi marcante enquanto lia esse livro. No lugar de Claudel, Antonio Dorigo. Um homem alucinado, desgraçadamente apaixonado. Alguém que implora, que se sujeita e que aceita situações ultrajantes. Tudo isso em nome de algo que ele chama de amor.

O livro nos faz refletir sobre muitas coisas, e é preciso não ter testemunhado situações similares (ainda que apenas sutil), para considerarmos essas pessoas, que parecem acometidas de grave doença, como meramente estúpidas. A paixão pode ter um efeito desorientador. Em alguns casos, devasta a pessoa apaixonada. Algo representado em várias mitologias e, para infortúnio de quem ama, em grande medida, comum.  

Segundo Platão, só amamos o que desejamos e só desejamos aquilo que nos falta. Em outras palavras, a falta desperta o desejo... e, segundo o filósofo, amamos o que nos interessa, o que desejamos. E por causa da falta, idealizamos aquilo que não temos. Em resumo, a isto chamamos de amor platônico.

Talvez essa seja uma forma de entender o amor que Antonio Dorigo sente por Laide, jovem prostituta que despertou nele muita paixão. A grandiosidade do livro é acompanhar como isso acontece. Além disso, também devemos levar em consideração a capacidade imaginativa que Dorigo tem. Os conflitos internos são grandiosos. Um exemplo de quem experimenta a tormenta da paixão e se questiona. Como disse o apaixonado: “O amor é uma doença, horrível”. Neste caso, muitos filósofos do período helenístico iriam concordar. Inclusive a palavra paixão vem de pathos (doença, sofrimento) donde deriva patologia. Incontestável que esse olhar filosófico é apenas um, entre tantos. De todo modo, parece uma forma de entendermos Antonio Dorigo, homem maduro, com complexo de inferioridade, que não consegue se relacionar bem com as mulheres - o que o faz capitalizar as relações, evitando os desgastes e possíveis rejeições.

Dino Buzzati consegue nos apresentar, através de uma estória de amor frustrado, circunstâncias árduas, em que solidão, ansiedade, obsessão, são alguns dos dilemas enfrentados pelo protagonista. Isso tudo atravessado por reflexões existenciais. Num intenso fluxo de pensamentos e numa linguagem cheia de teor poético. Além disso, um livro intrigante, uma estória cheia de histórias. Em algumas partes, serve como uma espécie de espelho. Até que ponto é possível suportar situações inaceitáveis em nome de um interesse dominado pela paixão? Dorigo aceita muita coisa... Contudo, o livro não é maniqueísta. Há espaço para questionarmos as nuances do comportamento do apaixonado. Neste sentido, Jung dizia que existe em nós algo que não aceitamos, que não reconhecemos, que tentamos esquecer. A isso, ele chamou de “Sombra”. Se não enxergamos a nossa própria sombra, tendemos a nos perceber pessoas melhores e mais coerentes do que de fato somos.


domingo, 14 de fevereiro de 2021

“Observava diariamente a vida evoluir para a morte...”

 

 

Enterre seus mortos é um livro incômodo. Entretanto, diga-se de passagem, necessário. Faz-nos refletir sobre como tratamos os nossos mortos. Não falo dos mortos queridos, os que nos são caros. Refiro-me aos "esquecidos", os que não têm alguém que reclame seus corpos - neste sentido, a reflexão abarca a dimensão do papel do Estado, a falta de recursos humanos e materiais para lidar com essa questão. Ou, como diz um personagem, o Sargento Américo: “Estamos falidos. Não damos conta nem dos mortos”.

O protagonista, Edgar Wilson, presente em outros livros da escritora, é um homem simples, cercado pela morte (ele se sente à vontade em meio ao pútrido), introspectivo, do tipo de pessoa que escuta mais e fala menos. De certo modo, alguém que poderíamos comparar aos abutres - pois, assim como essas aves, ele sobrevive graças aos que morrem. Contudo, sobre os mortos, pessoas ou animais, Edgar Wilson considera a importância de enterrá-los. Para ele, “não existe sentimento de desprezo maior do que abandonar um morto, deixá-lo ao relento, às aves carniceiras, à vista alheia”. Inclusive, talvez esse seja o seu maior medo. Ainda sobre os abutres, ave representada na capa do livro, chama a atenção uma observação que concordo muitíssimo: “É bonito o voo dos abutres”. De fato, é muito bonito - embora sejam, reconhecidamente, aves que indicam a morte, admirá-las é prazeroso, acalma. Neste sentido, “a morte e o sagrado estão sempre juntos”.

Outro ponto de destaque é o modo como é tratada a questão religiosa. O sarcasmo faz muita diferença - ainda que seja apavorante. É perspicaz o olhar que nos é apresentado sobre este assunto. Numa situação de esquecimento do Estado, de pobreza e alienação, muitas vezes o que sobra é a “dependência da força divina”. Uma teologia antiga, baseada na culpa, no medo e na ganância. Alguns diriam: “tão medieval”. Mas, como diria o velho barbudo, a história se repete... Primeiro como tragédia, depois como farsa.

Por fim, um livro que precisa ser lido com atenção. Do contrário, corre-se o risco de sentir apenas repulsa, certo embrulho no estômago, e isso pode comprometer a possibilidade de uma boa reflexão e de percebermos que a literatura é, também, uma forma de entendermos o mundo e, a partir desse entendimento, tentarmos modificá-lo.


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Michael Löwy: A crítica romântica de Charles Dickens ao capitalismo


Quando o assunto é Charles Dickens, Tempos Difíceis Grandes Esperanças foram as leituras mais significativas que fiz na mocidade. Vale muito a pena! A partir da leitura de Löwy, destacadamente, Tempos Difíceis se torna uma obrigação para quem cultiva o bom gosto pela literatura em companhia de uma boa crítica social. Afora a capacidade de nos por a pensar sobre muitas questões pretéritas, assim como a conjuntura presente. Sinceramente, um clássico que deve ser lido.  


Embora fosse completamente alheio às ideias socialistas, Charles Dickens era um dos autores favoritos de Marx. Seu romance Tempos difíceis, publicado em 1854, contém uma expressão excepcionalmente articulada da crítica romântica à sociedade industrial. Não faz uma homenagem tão explícita às formas pré-capitalistas, geralmente medievais, quanto a maioria dos românticos ingleses – como Burke, Coleridge, Cobbett, Walter Scott, Carlyle (a quem Tempos difíceis é dedicado), Ruskin e William Morris –, mas a referência aos valores morais do passado é um componente essencial da atmosfera criada por ele. Por um paradoxo que é apenas aparente, o refúgio desses valores aparece na forma de um circo, uma comunidade um tanto arcaica, mas autenticamente humana – na qual as pessoas ainda têm um “bom coração” e uma “atitude muito natural” – que se situa fora, e em franca oposição, à sociedade burguesa “normal”.

Em Tempos difíceis, o espírito frio e quantificador da era industrial é magnificamente personificado por um ideólogo utilitarista e membro do Parlamento, Mister Thomas Gradgrind (senhor “Triturador-sob-medida” é a tradução aproximada do nome…). Trata-se de um homem que tem “uma régua e uma balança, e a tabuada sempre no bolso” e está sempre “pronto para pesar e medir qualquer parcela da natureza humana, e dizer o resultado exato”. Para Gradgrind, tudo no universo é “mera questão de números, um caso de simples aritmética”, e ele administra com mão de ferro a educação das crianças, segundo o princípio salutar de que “aquilo que não se podia expressar em números, ou demonstrar que era comprável no mercado mais barato e vendável no mais caro, não existia, e não deveria existir”. A filosofia de Gradgrind – a amarga e dura doutrina da economia política, do utilitarismo estrito e do laisser-faire clássico – era que:

tudo devesse ser pago. Não se podia, em hipótese alguma, dar nada a ninguém, ou oferecer ajuda gratuita. A gratidão deveria ser abolida, e as virtudes que dela brotavam deveriam deixar de existir. Cada minuto da existência humana, do nascimento até a morte, deveria ser uma barganha diante de um guichê.1

A esse retrato poderoso e evocador – quase um tipo ideal weberiano – do éthos capitalista, cujo triste triunfo se concretizará quando “o romance for expulso” da alma humana, Dickens contrapõe sua fé na vitalidade das “sensibilidades, afeições e fraquezas” da alma humana, “desafiando todos os cálculos do homem, e tão desconhecida da sua aritmética como é o seu Criador”. Ele acredita, e toda a trama de Tempos difíceis é um arrazoado apaixonado em favor dessa crença, que existem no coração dos indivíduos “essências sutis da humanidade que escaparão até da maior habilidade algébrica, até o dia em que o som da última trombeta fizer em pedaços até mesmo a álgebra”. Recusando-se a ceder à máquina-de-triturar-sob-medida, ele abraça valores irredutíveis aos números2.

Here Was Louisa, On The Night Of The Same  Day, Watching The Fire As In Days Of Yore.“Louisa estava observando o fogo como nos velhos tempos.” Esta ilustração de Harry French incluída na edição brasileira de Tempos difíceis capta como o distanciamento sentido pela filha de Thomas Gradgrind em relação aos valores frios e calculistas transmitidos pelo pai se traduz em uma condição de solidão e alienação que remete melancolicamente ao passado.

Mas Tempos difíceis não tratam apenas da trituração da alma: o romance ilustra também como a modernidade expulsou da vida material dos indivíduos qualidades como beleza, cor e imaginação, reduzindo-a a uma rotina fastidiosa, cansativa e uniforme. A cidade industrial moderna, “Coketown”, é descrita por Dickens como “uma cidade de máquinas e chaminés altas, pelas quais se arrastavam perenes e intermináveis serpentes de fumaça que nunca se desenrolavam de todo”. Suas ruas eram semelhantes umas às outras, “onde moravam pessoas também semelhantes umas às outras, que saíam e entravam nos mesmos horários, produzindo os mesmos sons nas mesmas calçadas, para fazer o mesmo trabalho, e para quem cada dia era o mesmo de ontem e de amanhã, e cada ano o equivalente do próximo e do anterior”3. O espaço e o tempo parecem ter perdido toda diversidade qualitativa e toda variedade cultural, tornando-se uma estrutura única, contínua, moldada pela atividade ininterrupta das máquinas.

Para a civilização industrial, as qualidades da natureza não existem: ela só leva em conta as quantidades de matéria-prima que pode extrair dela. Coketown é, em consequência, uma “feia cidadela, onde a Natureza era mantida firmemente do lado de fora pelas mesmas paredes de tijolos que mantinham os ares e os gases letais do lado de dentro”; suas altas chaminés, lançando “suas baforadas venenosas”, escondiam o céu e o sol, e este estava “eternamente em eclipse, através de uma barreira de vidro enfumaçado”. Os que ansiavam “tomar ar fresco” ou queriam ver uma paisagem verdejante, árvores, pássaros, um pouco de céu azul, tinham de percorrer alguns quilômetros pela ferrovia e caminhar pelos campos. Mas ainda assim não estavam em paz: poços abandonados, depois que todo o ferro ou todo o carvão haviam sido extraídos da terra, escondiam-se no mato, como armadilhas mortais.4

Dickens era um moderado favorável às reformas sociais, mas a crítica romântica da quantificação também pode assumir formas conservadoras e reacionárias: por exemplo, na defesa de Adam Müller e outras figuras do romantismo político da propriedade feudal tradicional, que supostamente representaria uma forma qualitativa de vida, contra a monetarização e a alienação mercantil da terra. Ou então no ódio antissemita contra o judeu identificado com o dinheiro, a usura e as finanças, e visto como considerado um fator de corrupção e subversão do Antigo Regime. O panfleto de Edmund Burke contra a Revolução Francesa é um exemplo clássico da utilização contrarrevolucionária do argumento romântico a respeito da quantificação moderna: denunciando a humilhação que os revolucionários de 1789 impuseram à rainha da França, ele exclama: “A idade do cavalheirismo passou – sucedeu-lhe a dos sofistas, dos economistas e dos calculadores; e a glória da Europa está extinta para sempre”5.

* Este artigo é um trecho do livro Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade, de Michael Löwy e Robert Sayre, que integra a coleção “Marxismo e literatura” coordenada por Michael Löwy na Boitempo.



Tempos difíceis, de Charles Dickens é o próximo livro a ser discutido no Clube de Leitura da Boitempo e da Cia. das Letras na Livraria da Vila da Fradique em São Paulo. A roda de conversa é aberta e informal, e acontece no próximo de 13 de julho às 20h. Dá tempo de ler o livro antes de participar!


NOTAS

1. Charles Dickens, Tempos difíceis (trad. José Baltazar Pereira Júnior, São Paulo, Boitempo, 2014), p. 15, 38 e 322-3. Mais tarde, eleito para o Parlamento, Thomas Gradgrind torna-se “um dos respeitados membros dos pesos e medidas, um dos representantes da tabuada, um dos honoráveis cavalheiros surdos, um dos honoráveis cavalheiros mudos, um dos honoráveis cavalheiros cegos, um dos honoráveis cavalheiros mancos, um dos honoráveis cavalheiros mortos, a qualquer outra consideração” (ibidem, p. 111).
2. Ibidem, p. 187, 244 e 119, respectivamente.
3. Ibidem, p. 37.
4. Ibidem, p. 81, 188 e 299. O herói do romance, o operário Stephen Blackpool, cai em um desses poços – o “velho Poço do Inferno” e morre.
5. Edmund Burke, Reflexões sobre a Revolução em França (trad. Renato de Assumpção Farias, Denis Fontes de Souza Pinto e Carmen Lídia Richter Ribeiro Moura, Brasília, UnB, 1997), p. 100.

***

Michael Löwy, sociólogo, é nascido no Brasil, formado em Ciências Sociais na Universidade de São Paulo, e vive em Paris desde 1969. Diretor emérito de pesquisas do Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS). Homenageado, em 1994, com a medalha de prata do CNRS em Ciências Sociais, é autor de Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade, Walter Benjamin: aviso de incêndio (2005), Lucien Goldmann ou a dialética da totalidade (2009), A teoria da revolução no jovem Marx (2012), A jaula de aço: Max Weber e o marxismo weberiano (2014) e organizador de Revoluções (2009) e Capitalismo como religião (2013), de Walter Benjamin, além de coordenar, junto com Leandro Konder, a coleção Marxismo e literatura da Boitempo. Colabora com o Blog da Boitempo esporadicamente.

sexta-feira, 6 de novembro de 2020

"A verdade, a dura verdade."

 

“Sejamos felizes durante os poucos dias desta breve vida.”

“Quanto à emoção, não posso responder; este calabouço tão feio, tão úmido, me dá momentos de febre em que não me reconheço; mas não vão me ver empalidecer de medo.”

O Vermelho e o Negro – Stendhal

 

Sócrates dizia que uma vida não examinada não vale a pena ser vivida. Eu digo que sem literatura, a vida não vale a pena. Nos momentos mais difíceis, foi a leitura de um bom livro que me fez conseguir enxergar a beleza e todo encantamento que existe em viver. Prestar atenção aos detalhes, refletir, sentir compaixão... Mas também foi com a leitura de alguns livros que senti tanta indignação e revolta, a ponto de não conseguir dormir bem. Ou vergonha de alguns comportamentos e perceber que deveria mudar. A leitura me afeta. E quanto mais afetada, mais humana. Talvez esse seja o valor supremo da literatura, humanizar.

É trágico saber que a leitura é uma espécie de privilégio. É lamentavelmente difícil saber que uma boa parte das pessoas não pode desfrutar do ócio para ler, ou usufruir o bem estar que a leitura nos proporciona. É muito triste!

Por causa dos livros, conheci pessoas singulares. Algumas seguirão comigo pelas estações, na certeza de uma lembrança perene - mesmo com toda distância possível. E mesmo que no meio do caminho exista desencontro, palavras que não deveriam ser ditas, ou silêncios ensurdecedores, é muito bom ter a amizade de alguém que aprecia  literatura.

Sinto-me grata pela possibilidade de conhecer pessoas assim, que fazem da leitura uma forma de estar no mundo. Que encontram sentido e fundamentam suas vidas e nos ajudam em nossa própria jornada. Para todas as pessoas que conheço e que nos tornamos mais próximas por causa dos livros, obrigada! Obrigada por me ajudarem a ser quem sou. Obrigada pela partilha e pela amizade. Pela paciência, generosidade. Agradeço a vida por ter tido a oportunidade de ter conhecido algumas pessoas tão importantes. Em especial, agradeço a um amigo que se foi no dia de hoje. A ele, sou grata por algo que é tão precioso e aprendi a valorizar ainda mais: “A verdade, a dura verdade.” Uma frase atribuída a Danton, que li em O vermelho e o negro. A análise que escutei dessa frase me fez enxergar a pessoa que fez a reflexão com muita admiração e respeito. Respeito ao seu modo de falar, às observações - ainda que cortantes, justas. Como ele dizia, "tem coisa que só falamos quando somos próximos, em especial as críticas". E é com todo respeito, admiração, tristeza (muita tristeza), que lamento muito não poder tê-lo conhecido mais. Não poder continuar escutando suas críticas, o riso (que às vezes corria solto).  Ainda assim, gratidão pelo efêmero de nossa amizade. "Começa um novo tempo de eterno não ser". 

Mesmo sendo limitada em termos de religiosidade, há uma espiritualidade e uma dor que me faz desejar paz, muita paz. Ou, como me ensinou um amigo: Shanti, shanti, shantihi.




sexta-feira, 25 de setembro de 2020

"Uma única pessoa está ausente, mas o mundo inteiro parece vazio"



Phillipe Ariès (autor da frase que intitula esta postagem) foi um historiador que, entre muitos trabalhos, teve destaque ao falar sobre a morte - uma ausência dominante, que esvazia o mundo. Em O ano do pensamento mágico, a escritora Joan Didion nos faz sentir, a partir de um plural de lembranças e reflexões, esse vazio, essa ausência. O livro é um registro das memórias do primeiro ano sem o seu companheiro de décadas, o também escritor, John Gregory Dunne - que morreu devido a um ataque cardíaco fulminante, em 30 de dezembro de 2003.  

 "Somos seres mortais imperfeitos, conscientes dessa mortalidade mesmo quando a negamos, traídos por nossa própria complexidade, tão incorporada que quando choramos a perda de seres amados também estamos chorando, para o bem ou para o mal, por nós mesmos. Pela perda daquilo que éramos. Do que não somos mais. Do que um dia não seremos de todo" (p. 207).


Didion nos faz pensar na vida, na morte. Na saudade... no luto. Em termos de perder alguém muito especial, talvez o primeiro ano de ausência seja um dos mais difíceis - comumente esperamos que de modo mágico, a realidade seja distinta da que somos obrigados a viver. Somos afetados por um vórtice de lembranças, desejos frustrados, culpas. Uma vida nova, ordinariamente cheia de dor. Como diz a escritora: "A vida muda rapidamente. A vida muda em um instante. Você se senta para jantar e a vida que você conhecia termina."  No entanto, ainda assim precisamos aprender a enterrar os mortos; deixá-los morrer - embora reconheçamos o imenso desafio que isso representa. 

"Sei por que tentamos manter vivos os mortos: tentamos mantê-los vivos para que permaneçam conosco.
Também sei que, se quisermos viver, chega um momento em que temos que nos libertar dos mortos, deixá-los ir, deixá-los mortos" (p. 235).

De modo particular, O ano do pensamento mágico é um livro marcante - ainda mais para quem já viveu a inesquecível experiência de perder quem ama - difícil não se enxergar, pelo menos um pouco, na história. Depois desse livro Didion escreveu Noites azuis, que fala sobre a morte da única filha, Quintana Roo (o mesmo nome da cidade mexicana), que morreu em 2005 - vinte meses depois da morte do pai.  

Por fim, vale a pena a leitura!